“’Você está louca’, disse Wellington de Oliveira Macedo, 21, quando Giovana Manzano perguntou se ele seria capaz de matá-la.
Wellington diz que foi apresentado a ela por um morador de rua. A vítima disse que pagaria R$ 20 mil pelo serviço. Ele disse ter se interessado pois precisava sustentar o filho.
‘Achava que ela iria desistir até lá.’ Wellington chamou um colega identificado como Carlão para queimar o carro da vítima.
No horário combinado, se encontraram. Ela dirigiu até o canavial, onde ordenou que o carro fosse incendiado. Enquanto isso, Wellington sacou o revólver e deu os três tiros.
Depois do crime, diz ele, abriu um envelope que havia sido entregue por ela, com R$ 2 mil. A polícia suspeita que ele tenha recebido R$ 5 mil pela morte.
Wellington foi indiciado por homicídio qualificado.”
Ontem usamos um pedaço da matéria acima para falar da diferença entre suicídio e homicídio. Hoje vamos usar esse outro pedaço para falar da consumação e da desistência.
Quando alguém resolve cometer um crime, essa pessoa tem um tempo entre o momento em que decide e o momento em que executa o crime. Esse tempo pode ser maior (por exemplo, os terroristas de 11 de setembro planejaram seus crimes por meses ou anos antes daquela fatídica manhã) ou menor (por exemplo, alguém que mata o motorista que o fechou no trânsito). Mas há sempre um tempo entre a decisão e a ação que sela o crime. Mesmo no caso da motorista, entre o momento em que ele foi fechado e o momento em que atirou, houve o transcurso de algum tempo. Talvez apenas de alguns segundos, mas houve.
Durante esses poucos segundos ou muitos meses, o criminoso teve a oportunidade de evitar o crime. É o que aconteceu no exemplo da matéria acima. Entre o momento em que ele foi ‘contratado’ para cometer o crime e o momento em que ele atirou, passaram-se alguns dias. O criminoso poderia ter simplesmente mudado de idéia e evitado matar a pessoa que o contratou.
Se ele houvesse desistido, ele não responderia pelo crime de homicídio. É o que os juristas chamam de desistência voluntária ou arrependimento eficaz, e está no artigo 15 de nosso Código Penal. Ou seja, a pessoa desistiu de cometer o crime que havia planejado. Seria o caso dos terroristas que, em qualquer momento antes da colisão com os prédios, desistem e pousam o avião; ou do motorista que, antes de apertar o gatilho, desiste de matar o roda-dura que o fechou. É a última chance que a lei dá para que a pessoa não estrague sua própria vida (e, obviamente, a da vítima). É a crença do direito no livre arbítrio.
No caso da desistência voluntária, a pessoa só responde pelos crimes que houver praticado até o momento de sua desistência (se houver praticado algum crime). Por exemplo, ter sequestrado o avião ou ter o porte ilegal de uma arma em seu carro. Mas não pelo crime que de fato queria cometer. Se a arma era legal, não houve nenhum crime.
No caso acima, o criminoso poderia ter desistido voluntariamente até o momento em que apertou o gatilho. Depois daquele momento, seu destino estava selado.
Aliás, ele diz que achava que ela iria desistir. Mas ele não tinha e nunca teve a obrigação de atirar. Ainda que ela já houvesse pago. Isso porque, para nossa lei, um ‘contrato’ para cometer um crime não é um contrato de verdade, pois seu objeto (cometer o crime) é ilícito. Isso torna o contrato inválido e nulo (artigo 104, II e 166, II de nosso Código Civil). É como se esse contrato nunca houvesse sido feito. Ela não poderia, depois, ir à justiça processá-lo por ele ter descumprido o contrato.