“Facção destrói tesouro histórico no Iraque
Militantes da facção terrorista Estado Islâmico divulgaram nesta quinta (26) vídeo em que destroem artefatos históricos, apresentando a herança arqueológica de um museu de Mossul - norte do Iraque - como ‘ídolos de povos dos séculos anteriores’.
Os terroristas alegam que Maomé, profeta do islã, destruiu estátuas ao conquistar Meca, no século 7 (…)
Essas estátuas assírias já existiam quando Maomé, segundo a tradição, destruiu os ídolos de Meca. Mas o EI diz que esses artefatos não eram visíveis à época e foram posteriormente escavados por "adoradores do demônio" (…)
As regiões tomadas pelo EI na Síria e no Iraque têm rica herança histórica, que inclui artefatos dos impérios babilônico e assírio. Sítios arqueológicos estão em risco ali, já que a rígida visão da milícia condena a ideia de idolatria. Também são afetados locais relevantes para o próprio islã.
Há, além disso, relatos de que artefatos arqueológicos estão sendo vendidos no mercado negro para financiar os avanços da facção.
Nesta semana, foi divulgado ainda um saque feito à biblioteca de Mossul, com a destruição de 100 mil livros e de manuscritos, incluindo exemplares otomanos.
‘Estão destruindo a herança da humanidade’, diz Lionel Marti, especialista em arqueologia mesopotâmica pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica, na França".
Em 10 de maio de 1933 a União Estudantil Alemã, braço estudantil do partido nazista, queimou em praça pública 25 mil livros no que chamou de ação contra o espírito ‘não-germânicos’. A Säuberung (purificação), como ficou conhecida, era um “não à decadência e corrupção moral”, segundo a exaltação de Goebbels.
Em 8 de março de 2001, seis meses antes dos ataques terroristas nos EUA, o Talibã, sob a supervisão do mulah Obaidullah, então ministro da defesa afegã, dinamitou duas estátuas gigantes de Bhudda, uma medindo 53 metros de altura e outra 38 metros, e que resistiram a 1.700 anos de agressões naturais e humanas antes de serem reduzidas a escombros em nome de Alá.
Sem nosso passado - individual e coletivo -, perdemos nossa identidade. Por isso ser tão comum em situações de conflitos atacarmos os monumentos de nossos inimigos. Ao destruirmos sua história, destruímos sua identidade.
É por causa da propensão humana de tentar subjulgar um povo através da destruição de seu passado que o art. 53 do Protocolo Adicional à Convenção de Genebra de 12 agosto de 1949 estabelece que é proibido “(a) cometer qualquer ato de hostilidade dirigido contra monumentos históricos, trabalhos artísticos ou locais de oração que constituam a herança cultural ou espiritual de pessoas; (b) usar tais objetos para suportar esforços militares; [e] (c) fazer de tais objetos objetos de represália”.
A Convenção para a Proteção da Propriedade Cultural em Casos de Conflitos Armados, de 14 de maio de 1954 (da qual tanto o Brasil quanto o Iraque são signatários) estabelece que propriedades culturais devem ser resguardadas em tempos de guerra. As partes contratantes se comprometem a não atacar tais propriedades, mesmo que elas não tenham sido identificadas com o símbolo de proteção. E mais: impõem aos governos a obrigação de, em tempos de paz, prepararem para protegê-las em caso de guerra.
Há dois problemas sérios, contudo com esses mecanismos de proteção jurídica de nossas heranças culturais. Primeiro, eles abrangem apenas Estados. Facções terroristas e grupos de vândalos não assinam tratados internacionais e muito menos se importam com eles. Mesmo quando chegam ao governo, como o Khmer Rouge no Cambodia e o talibã no Afeganistão, continuam a operar às margens do mundo civilizado.
Segundo, e ainda mais grave, uma vez causado o dano, podemos até punir os responsáveis, mas jamais conseguiremos restaurar o dano causado. Tratados internacionais não têm a capacidade de remendar as estátuas de Bhudda ou de Mossul. Destruídas, a humanidade estará para sempre privada dos traços de seu passado. Sem que os governos de fato desenvolvam planos de proteção de tais objetos, eles continuarão a ser destruídos ou roubados.
Em um grau muito mais próximo, talvez o caso valha para uma reflexão sobre como tratamos nossas cidades e seus monumentos, como prédios, parques, ruas, estátuas, praças, rios e afins. Centros históricos como Viena ou Veneza se tornaram históricos justamente porque foram preservados dia a dia por seus habitantes. Quando destruímos nossas cidades aos poucos, estamos privando futuras gerações de seus centros históricos.