“Latino entra em cabine de avião da TAM durante voo, e Anac cobra explicação
As fotos foram tiradas em 28 de abril e postadas nas redes sociais no dia seguinte, quando chegou aos portais e aos sites de fã-clubes.
Seria apenas mais algumas das imagens que Latino, autor de "Festa no Apê", costuma divulgar na internet -não fosse um detalhe: o avião estava em voo, fase em que a Anac (a agência nacional de aviação civil) proíbe a entrada de um passageiro- muito menos tocar nos comandos que controlam o avião (…)
Os visores indicam que a aeronave estava em rota e com os motores acionados. Além disso, a luz de piloto automático está acesa e o trem de pouso, recolhido.
Um estranho colocar a mão na manete de potência, como Latino fez, é um procedimento inaceitável com o avião voando. Risco à segurança haveria, segundo pilotos de Airbus disseram à Folha, se ele empurrasse com força a manete, o que desligaria o piloto automático -mas um sinal tocaria na cabine (…)
A companhia aérea não se manifestou sobre o pedido de explicações da Anac. Procurada, não negou nem confirmou a entrada de Latino na cabine e disse que apura como as fotos foram tiradas (…)
Sob anonimato, um piloto de Airbus contou que famosos que fazem pedidos desse tipo põem os tripulantes em uma sinuca de bico: se permitem, infringem a norma e correm o risco de ver a foto ir parar em rede social, como aconteceu; se proíbem, o famoso contrariado pode falar mal do piloto ou da empresa.”
Até o fim das investigações, não dá para saber o que realmente aconteceu no caso acima. Mas se os fatos forem como os narrados pela matéria, pode haver um crime: atentado contra a segurança de transporte aéreo, cuja pena chega a 5 anos de reclusão.
Esse é, aliás, o mesmo crime cometido pelas pessoas que apontavam laser para a cabine do avião no momento da aterrisagem.
O crime consiste em expor a perigo a aeronave própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a dificultar ou impedir a navegação aérea.
Note que, para cometer o crime, não é necessário que haja de fato um acidente (se houver, será outro crime, ainda mais grave, chamado ‘sinistro aéreo’, cuja pena chega a 12 anos). Basta que a pessoa tenha exposto a aeronave ao perigo e que ela tenha assumido tal risco.
Apenas um especialista poderá dizer se houve uma exposição de risco, mas digamos que tenha ocorrido. Aí aparece um outro debate interessante: quem assumiu o risco? O cantor que -convidado ou convidando-se- sentou-se na cadeira do piloto em pleno vôo? Ou o piloto, que deixou que isso acontecesse? Ou ambos?
Para que o cantor tenha assumido o risco, ele precisa saber que o risco existe. Segundo a legenda da foto, ele sequer sabia em que aeronave estava. Se ele não é piloto e não sabe nada de avião ou pilotagem, ele deve presumir que há um risco em ocupar o lugar do comandante em pleno vôo? Mas e se o comandante da aeronave, que é quem conhece o risco, diz a ele ‘vem, senta aqui. Não tem problema’? Seria justo assumir que o cantor precise achar que haja um risco mesmo que o comandante tenha dito que não havia? Ou seria mais justo assumir que já que ele sabe que não sabe nada de avião, ele deveria presumir que o que estava fazendo era inerentemente perigoso, independente do que o piloto disse?
Já a posição do piloto é um pouco mais complicada. Ele é a autoridade máxima dentro do avião, responsável pela segurança de todos e deve saber tudo sobre a segurança do vôo. Ele é a pessoa em melhor condição para dizer se havia perigo em permitir que o passageiro sentasse em seu lugar em pleno vôo, mas ele também é responsável por seguir as normas de segurança da profissão, do fabricante, da empresa e das autoridades aéreas. Sua função é aplicar tais regras e não formulá-las. Logo, a questão não é saber se ele sabia ou não se o que estava fazendo expunha a aeronave em perigo: como piloto ele tem a obrigação de saber.
Em outras palavras, o piloto precisará demonstrar que o que fez não expos a aeronave a perigo e que não violou as normas de segurança aérea. Não adianta ele dizer 'ah, mas eu não sabia que era perigoso'.
E dizer que foi pressionado pelo cantor também não funciona como defesa porque o cantor poderia até falar mal dele ou da empresa depois, mas falar mal não justifica colocar a aeronave em perigo. Ou seja, o direito agredido (segurança) era superior ao direito protegido (reputação da empresa). Logo, não há excludente de ilicitude (em português, ele não pode alegar estado de necessidade, legítima defesa, ou estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito).