“Partilha em vida facilita sucessão de bens
O assunto é tabu nas famílias, os supersticiosos temem mau agouro, mas não são poucas as disputas envolvendo heranças. Para reduzir as despesas e facilitar a vida dos que ficam, bancos e gestores patrimoniais recomendam dividir os bens ainda em vida, fazer um testamento e ter seguro de vida.
A decisão é mais importante quando envolve casamentos não oficializados, casais do mesmo sexo, filhos reconhecidos após exame de DNA ou se pretende beneficiar diferentemente os herdeiros”
Raramente uma matéria nos dá a chance de explicarmos um assunto de forma tão compreensiva. Nos próximos dias publicaremos uma série de artigos usando partes diferentes da matéria acima, explicando diversas facetas da herança um assunto que, como a matéria explica, ainda é um tabu em nossa sociedade.
Mas, antes disso, precisamos entender o que é um casamento, porque a existência de um cônjuge é o elemento mais importante no direito à herança.
Ao contrário do que a matéria disse, do ponto de vista jurídico, não existe “casamento não oficializado”. Esse é um conceito com o qual mesmo estudantes de direito têm problema em entender: no mundo jurídico, casamento é um contrato e não tem nada a ver com amor.
Crescemos em uma cultura em que tudo faz referência ao amor, mas se procurarmos em todas as leis brasileiras, não acharemos uma única norma na qual haja referência ao amor. Muito menos ao amor entre os cônjuges. Para a lei, amor não tem qualquer importância.
Porque a lei não se importa com o amor, para ela a existência de um amor profundo em uma relação estável entre duas pessoas, não faz da relação um casamento. Para a lei, casamento é uma relação contratual que só surge se várias formalidades forem seguidas. Se há ou não amor, não importa.
Como um contrato formal, o casamento precisa, por exemplo, de testemunhas, ser oficiado por alguém habilitado pela lei a fazê-lo, anunciado publicamente com antecedência para dar oportunidade às outras pessoas de se oporem à assinatura do contrato matrimonial etc.
A consequência disso é que todo casamento é, por definição, algo oficializado. Se não for, não é casamento. Não existe 'casamento informal'.
Mas daí surge um segundo problema: a lei não pode ignorar os direitos e deveres de pessoas que poderiam se casar se quisessem, viveram e quiseram viver como um casal - às vezes por décadas -, mas não tomaram a iniciativa de oficializarem a relação, transformando-a em um casamento.
É por isso que existe a união estável. Ela não é um casamento e não gera os mesmos direitos e obrigações de um casamento, mas gera alguns dos direitos e obrigações de um casamento. Ela é apenas um paliativo para uma situação que seria desastrosa se a lei não desse uma proteção mínima. Ela estabelece, por exemplo, o direito dos companheiros sobre os bens adquiridos durante a união, como se fosse um regime de comunhão parcial, mas não dá aos parceiros os mesmos direitos à herança que teriam se fossem casados.
É justamente porque união estável não dá todos os direitos de um casamento que os homossexuais batalham pelo direito de casarem e não apenas estabelecerem uma união estável.
Mas a lei também reconhece uma outra situação de fato: aquela na qual uma ou ambas as pessoas envolvidas não poderia casar, mas ainda assim vivem como se fossem casadas. É o que chamamos de concubinatos.
Enquanto na união estável as pessoas poderiam casar e decidiram não fazê-lo (ou não se preocuparam em fazê-lo), no concubinato elas até poderiam querer casar, mas não poderiam. É o caso, por exemplo, do homem casado que mantém uma amante. Ele não poderia casar com a amante porque já é casado (se tentasse casar, aliás, estaria cometendo um crime: bigamia).
Aqui, a lei praticamente não confere nenhuma proteção aos dois envolvidos justamente porque quer criar uma situação na qual eles não têm nada a ganhar agindo fora da lei. Por exemplo, os bens adquiridos no concubinato só são protegidos se foram adquiridos com o esforço mútuo de ambos os concubinos.