“O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski, afirmou ontem que, pelo texto do projeto Ficha Limpa, aprovado anteontem no Senado, os políticos só ficarão inelegíveis se forem condenados na Justiça depois da promulgação da lei.
‘Se prevalecer a redação, a meu ver, sem conhecer o texto ainda, é só [para] aqueles que forem condenados depois da promulgação da lei. É a leitura que se faz, pelo menos, gramatical’, disse Lewandowski.
Ele fez a ressalva de que falava em tese e havia se informado sobre o tema pelos jornais.
Anteontem, o Senado aprovou o projeto que impede a candidatura de pessoas com condenação na Justiça por um colegiado (mais de um juiz).
O presidente concorda com o ‘espírito’ do projeto Ficha Limpa e vai sancionar o texto aprovado pelo Senado.”
Nosso sistema legislativo estabelece que as leis federais devem ser aprovadas em duas casas: na Câmara, que é a representante dos cidadãos, e no Senado, que é representante das unidades federativas.
O problema com esse projeto de lei (não é lei ainda pois não foi sancionado pelo presidente da República) é que ele foi aprovado pela Câmara e depois enviado para o Senado para a segunda votação. Mas, chegando lá, ele foi modificado pois o texto tinha dois tempos verbais e o relator (pessoa responsável por recomendar ou não a aprovação do projeto naquela casa) corrigiu os tempos verbais. O problema é que, quando corrigiu, ele mudou a interpretação que pode ser dada ao texto, o que autorizaria os candidatos já condenados (antes de a lei entrar em vigor) a concorrerem à eleição.
O texto votado e aprovado no Senado foi o texto modificado. A questão agora é saber se o texto é válido ou não.
Os que defendem sua validade poderão argumentar que o fato de ter sido enviado ao presidente para a sanção significa que o Senado continua interpretando o texto da mesma forma como a Câmara o interpretava, e o texto aprovado na Câmara era bem claro.
Além disso, poderão alegar que o relator veio a público dizer que sua intenção não era alterar o sentido do texto, mas apenas padronizá-lo gramaticalmente.
Mas quem defende o argumento contrário poderá dizer que os senadores não votam a intenção do relator, mas o que está escrito no projeto.
O segundo argumento contrário à sua validade é que os senadores votaram um projeto de lei diferente da Câmara. Para ser aprovado, ele precisaria ser aprovado nas duas casas e o texto que foi enviado ao presidente só foi aprovado no Senado. O que foi aprovado na Câmara e enviado ao Senado foi alterado e por isso deveria ter sido reenviado para nova votação na Câmara.
O terceiro argumento contrário é que, embora o texto possa, sim, ser modificado na segunda casa sem precisar ser reenviado à primeira casa, essa modificação não pode alterar o conteúdo do projeto, ou seja, seu mérito. O simples fato de o presidente do TSE dizer que mudou, sim, a interpretação do texto, significa que a leitura se tornou diferente e, por isso, alterou o mérito do projeto e ele seria inconstitucional por não ter sido votado em ambas as casas.
De qualquer forma, o que nos interessa aqui é saber que, para ser aprovado, um projeto precisa sempre ser votado sem a modificação de seu mérito nas duas casas. Enquanto houver alterações ele ficará zanzando entre as duas casas. No Brasil, ao contrário de outros países, não há limite para o tempo em que um projeto fica andando pelo Congresso. O projeto do Código Civil aprovado em 2001, por exemplo, começou a circular pelo Congresso no início da década de 70.