Óbvio que partidos servem justamente para atraírem pessoas que defendem as mesmas linhas políticas. Daí ser normal alguns partidos votarem mais a favor de determinadas ideias do que outros. Mas há também a possibilidade de não estarem votando a favor ou contra por apoiarem determinado posicionamento filosófico, mas por relacionamentos fisiológicos.
O problema é sério e não acontece só no Brasil: parlamentares votando contra projetos de lei não porque são contra a ideia do projeto, mas porque são contra quem o apresenta. E, na mesma toada, parlamentares votando a favor de um projeto não porque são a favor do que é apresentado, mas porque apoiam quem o apresenta.
Nos EUA, republicanos e democratas fazem isso com frequência. No Reino Unido, são os conservadores e os trabalhistas que se chocam. E assim por diante.
No meio está sempre a população, que é quem sai perdendo. Afinal, se o parlamentar está aprovando ou rejeitando projetos baseado em personalidades e não no mérito da ideia, boas ideias estão sendo descartadas e más ideias estão sendo aprovadas irresponsavelmente. Pior: essas ‘personalidades’ quase sempre envolvem trocas (ou recursas) de favores pouco morais (ainda que legais).
Isso é o óbvio. Mas existem outros dois problemas acarretados por essa prática.
Primeiro, o Brasil é presidencialista. Isso significa que Executivo e Legislativos são absolutamente independentes (compare isso com o parlamentarismo, onde o chefe de governo – o primeiro ministro – está onde está porque tem maioria no Legislativo). O regime presidencialista só funciona se parlamento e presidente mantêm uma relação de respeito e sem subserviência de um ao outro.
Ao tornar-se subserviente ou assumir uma posição refratária baseada em personalidade, o parlamento deixa de analisar o mérito das ideias.
No parlamentarismo, o gabinete analisa com muito mais afinco o mérito dos projetos que apresenta porque o gabinete faz parte do próprio parlamento. Os membros do gabinete são membros do parlamento. Como seus colegas, eles não só representam os interesses do governo, mas também representam os interesses de seus eleitores diretos.
Já no presidencialismo, não. A função de análise cabe ao parlamento. O presidente da República representa o governo. Se o parlamento não faz a análise do projeto apresentado pelo Executivo, o projeto é aprovado ou rejeitado sem que ninguém tenha realmente ponderado a respeito de seus méritos do eleitor. E mais: exatamente qual é a vantagem de termos a separação característica do presidencialismo se Legislativo e Executivo agem como se fossem um parlamentarismo?
O segundo problema é que, quando os parlamentares votam baseados em quem apresenta e não no que é apresentado, o eleitor não tem como distinguir o joio do trigo. Ele não sabe se aquele partido é de fato a favor do aumento de determinado tributo ou de tal lei ambiental. Ele sabe como aquela bancada votou, mas não se o partido votou porque acredita em tal ideia, ou se simplesmente foi porque é aliado ou de oposição ao governo.
Isso cria um problema grave para a democracia porque mesmo se mudarmos o partido no governo, podemos continuar com políticas similares porque quem havia votado contra agora vota a favor da mesma ideia porque seu presidente está no poder. E vice-versa. Em outras palavras, acabamos votando apenas por mera formalidade já que não sabemos exatamente quem é a favor do quê.