“O Tribunal de Justiça de Minas Gerais autorizou uma mulher a interromper a gravidez de um feto anencéfalo (sem o cérebro). A decisão foi tomada nesta quinta-feira, por unanimidade, pela 13ª Câmara Cível da corte.
Ao votar a favor da interrupção, o relator do caso, desembargador Alberto Henrique, afirmou: ‘O direito protege a vida. O feto sem cérebro não tem vida após o nascimento. Logo, não há o que proteger’.
Segundo o procurador de Justiça Vítor Henriques, não deve haver recurso, já que o Ministério Público se manifestou favorável a decisão.
Na semana passada, o juiz auxiliar Marco Antônio Feital Leite, da 1ª Vara Cível de Belo Horizonte, havia negado o pedido, mas o casal recorreu.
Os pais entraram com a ação na Justiça no fim do mês de maio, após serem informados por médicos que o bebê que esperam possuía anencefalia. O juiz julgou que, apesar dos laudos apontarem inviabilidade de sobrevida do feto, a gravidez e o parto não correspondiam a ‘perigo iminente de morte da mãe’”
Já falamos do caso dos anecéfalos aqui, mas vale a pena falar desse debate novamente.
Nosso Código Penal diz que cometer aborto é crime. A mãe ou o médico que comete ou ajuda a cometer um aborto está cometendo um crime. Contudo ele abre duas exceções – e duas exceções apenas – quando o aborto cometido voluntariamente não é crime: nos casos em que a gravidez for o resultado de um estupro e nos casos em que vida da gestante está em risco por causa da gravidez.
O segundo caso – risco à vida da gestante – serve para compreendermos o debate a respeito do aborto do anencéfalo.
A razão pela qual a lei permite tal aborto é porque o direito da mãe (o direito à vida) é mais importante que o direito do feto (o direito à expectativa de vida). Isso porque, no Brasil, do ponto de vista legal o feto ainda não tem vida: ele tem apenas a expectativa de vida. Até que ele nasça (saia do corpo da mãe e inale ar pela primeira vez), ele tem apenas uma expectativa de vida. A vida só começa depois de sair e inspirar pela primeira vez.
O debate jurídico a respeito dos anencéfalos gira justamente em torno da expectativa de vida. Uma boa parte dos juristas defende que, se é impossível que alguém sem cérebro viva,não há expectativa de vida e, portanto, não há o que ser protegido: se não há o que proteger, não há crime. Se você sabe que é impossível voar batendo seus braços, você não pode ter uma expectativa de voar batendo seus braços. É por isso que o desembargador na matéria acima disse que não haveria expectativa de vida e autorizou o aborto.
Já outra parte dos juristas defende que é grande a possibilidade de que o feto nascerá com vida, ou seja, ele sairá do útero materno e inalará, e que ainda que essa vida seja limitada a apenas a alguns segundos ou minutos, ainda assim terá sido uma vida e, por isso, ele terá adquirido direitos e obrigações (esse debate se torna muito importante, por exemplo, na hora de determinar quem será o herdeiro do pai que morreu durante a gestação do anencéfalo pois, se o bebê nasceu, ainda que tenha vivido por alguns segundos apenas, ele terá direito à herança). Outro argumento daqueles contrários a esse tipo de aborto é que a ciência não pode provar que todos os anencéfalos não terão possibilidade de viver além de poucas horas após o parto e, logo, se a Justiça autorizar todos os abortos de anencéfalos ela poderá estar, inadvertidamente, autorizando a morte de alguns que poderiam viver por muitos anos.
Mas, o grande debate por trás disso tudo é entre dois grandes direitos: o direito do indivíduo e o direito da sociedade. O debate sobre o aborto faz parte desse confronto entre essas duas visões de mundo. Por um lado, temos aqueles que defendem o direito da mulher sobre seu próprio corpo. Se a mulher não quer carregar um feto (com ou sem cérebro) dentro de seu corpo por nove meses, ela deveria ter o direito de retirá-lo. Vedar-lhe esse direito seria o mesmo que condená-la a um trabalho forçado ou tortura, a mutilá-la ou submetê-la a uma pena cruel. Por outro lado, temos aqueles que defendem o direito da sociedade de proteger a expectativa de vida daqueles que não podem protegê-la por si próprio. Permitir o aborto, segundo esses, seria o mesmo que permitir maus tratos a todos os outros grupos que não podem se defender, como os alienados mentais, crianças ou idosos.