“O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) José Antonio Dias Toffoli faltou a um julgamento na corte para participar do casamento do advogado criminalista Roberto Podval na ilha de Capri, no sul da Itália. Ele não informa quem pagou pela viagem.
Os noivos ofereceram aos cerca de 200 convidados dois dias de hospedagem no Capri Palace Hotel, um cinco estrelas cujas diárias variam de R$ 1,4 mil a R$ 13,3 mil (…)
No STF, Toffoli é relator de dois processos nos quais Podval atua como defensor dos réus. Ele atuou em pelo menos outros dois casos de clientes de Podval.
A legislação prevê que o juiz deve se declarar impedido por suspeição se for ‘amigo íntimo’ de uma das partes do processo. Se não o fizer, a outra parte pode pedir que ele seja declarado impedido (…)
O casamento ocorreu no dia 21 de junho e a festa terminou por volta das 5h do dia seguinte. No dia 22, em Brasília, oito ministros do STF tornaram o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço prestado. Toffoli não estava.
Outro convidado foi o desembargador Marco Nahum, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele disse que pagou sua estadia na Itália e o deslocamento para o país, com exceção das duas diárias bancadas por Podval. ‘Os gastos com água e telefone no hotel eu também paguei.’
Indagado sobre quem mais compareceu à festa, Nahum disse: ‘Não sou cagueta [delator, na gíria policial]’ (…)
O ministro do STF José Antonio Dias Toffoli preferiu não se manifestar sobre sua presença no casamento do advogado Roberto Podval.
‘É importante esclarecer que a viagem do ministro foi de caráter estritamente particular. Diante desse fato, ele se reserva o direito de não fazer qualquer comentário sobre seus compromissos privados’, disse sua assessoria”
A matéria faz uma confusão entre impedimento e suspeição. Ninguém se declara 'impedido por suspeição'. Ou ele se declara impedido ou ele se declara suspeito.
Impedimento ocorre quando há uma relação objetiva. O magistrado é o pai do advogado, o magistrado é o marido da vítima, o magistrado é o ex-advogado da parte etc. São relações que são claras para todo mundo. São até documentadas: certidões de casamento, de nascimento, contratos etc.
Suspeição é uma relação subjetiva. É quando o magistrado é amigo ou inimigo de uma das partes. Você não consegue dizer que a relação existe, mas qualquer pessoa normal suspeitaria que ela existe. Daí o termo ‘suspeição’.
A suspeição existe quando a relação entre o magistrado e uma das parte é mais do que meramente de interação social. É algo mais profundo: uma amizade íntima ou uma inimizade/desgostar forte.
Reparem que o ministro diz que a viagem teve caráter estritamente particular. E esse é o problema. Se ele viajou com as despesas pagas pelo STF, pelo governo ou qualquer outra instituição, ele estaria (ao menos em teoria) representando oficialmente tal instituição. Não é comum autoridades gastarem dinheiro público para irem a casamentos, mas isso não é ilegal ou imoral por si só. Às vezes um casamento é questão de estado ou de governo. Por exemplo, o casamento real britânico em maio desse ano foi uma questão de estado e o embaixador brasileiro compareceu como representante brasileiro. Ele pode até ter levado um presente pago com dinheiro público Não haveria ilegalidade. Por outro lado, se o ministro usou dinheiro público para uma viagem de caráter pessoal, ele cometeu um delito.
Mas a coisa é mais complicada ainda, porque se ele viajou com as despesas pagas pelos noivos ou por si mesmo, a questão não é mais sobre o uso de dinheiro público, mas se ele é imparcial o suficiente para julgar um processo no qual o noivo é parte. Se não for, ele deve declarar-se suspeito. Se as despesas foram pagas pelos noivos, isso pode servir para provar uma relação íntima entre o ministro e eles, afinal eles convidaram apenas 200 amigos, logo, devem ter convidado os amigos mais próximos, íntimos. E aqui há mais dois pontos muito importantes:
Primeiro, a suspeição não serve apenas para preservar o processo, ou seja, para impedir que o magistrado seja parcial. Ela serve também para preservar a instituição, e isso é algo que sempre esquecemos quando falamos dela. Como diz o ditado, a esposa do imperador precisa não só ser pura, mas também parecer pura. Não importa que o magistrado saiba que ele é imparcial. Se é ou não é, só ele pode saber. Mas ainda que ele saiba que é, o resto do mundo ainda pode suspeitar que ele não seja, e isso afeta a instituição à qual ele pertence. E por isso ele deve declarar-se suspeito. Se não se declarar, poderá deixar uma sombra de dúvidas sobre a instituição à qual pertence.
Segundo, a suspeição é uma relação subjetiva, mas ela pode ser apurada por meio de fatos e provas. Por exemplo, mesmo que ele tenha pago as próprias despesas, algumas pessoas podem achar estranho que alguém gaste mais de dez por cento de seu salario e falte ao trabalho para participar do casamento de um mero conhecido.