"Deputados favoráveis à divisão do Pará são vaiados em universidadeDefensores da divisão do Pará foram vaiados e hostilizados por estudantes em debate ontem na Universidade Federal do Pará, em Belém.
Em dezembro, 4,6 milhões de eleitores votarão em um plebiscito para decidir se o Pará vai se desmembrar e dar origem a dois outros Estados: Tapajós e Carajás.
O Pará remanescente da divisão ficaria com 17% de sua atual extensão territorial.
No debate, os deputados federais Giovanni Queiroz (PDT) e Lira Maia (DEM) tentaram apresentar seus argumentos a favor da mudança, mas foram criticados.
'Vocês já vieram com uma ideia preconcebida. Vamos aumentar a gestão nos locais onde o Estado não chega', defendeu Queiroz (...)
O acirramento no debate refletiu a situação da campanha eleitoral do plebiscito. A capital Belém e os municípios próximos são contrários à ideia da divisão.
Uma boa votação nesses locais é considerada essencial, pois eles concentram mais da metade do eleitorado."
Já falamos sobre o assunto aqui, mas vale a pena repetir: é importante entendermos o impacto político que a criação de um novo estado pode ter não só dentro daquele estado, mas na federação brasileira ou, para ser mais específico, no Senado Federal.
A região Norte, atualmente, possui 7 estados. Como há 3 senadores por unidade federativa, isso faz com que haja um total de 21 senadores representando aquela região. Algo como um senador para cada 733 mil habitantes. A título de comparação, na região Sudeste há um senador para cada 6,74 milhões de habitantes. Ou seja, para eleger um senador, a região Norte precisa, em média, 7 vezes menos votos do que a região Sudeste. Se criarmos mais dois estados na região Norte, o total de senadores representando a região Norte subiria para 27, algo como um senador para cada 592 mil habitantes. A disparidade entre Sudeste e Norte pularia para mais de 11 vezes.
Mas os senadores representam as unidades federativas e não a população, certo? Afinal é isso que aprendemos na escola. Mas o que são as unidades federativas? Elas precisam ser a representação de 'alguma' coisa. Elas não existem por si só, na natureza, como 'coisas' autônomas. Se seguirmos o argumento que aprendermos no colégio e aceitarmos que que elas não representam os habitantes, talvez elas representem os municípios. Se consideremos essa outra definição – os municípios – a conta fica também estranha. Vejamos:
A região Norte atualmente possui 449 municípios, o menor número de municípios do país. Isso dá uma média de um senador para cada 21 municípios. Na região Sul, por exemplo, essa média é de 132 municípios por senador, ou seja, 6 vezes maior. Se os dois novos estados forem criados na região Norte, a média de municípios por senadores naquela região cairá ainda mais: algo como um senador para cada 16 municípios.
Mas e se sua função for representar não as pessoas ou os municípios, mas a economia local? Também não resolve: o Norte representa menos de 5% do PIB brasileiro.
Mas o que significa isso na prática do Senado? Que embora tenhamos 5 regiões com traços culturais bem distintos, duas delas (as regiões Norte e Nordeste), sozinhas, passarão a ter senadores suficiente (62%) para aprovar até mesmo emendas à Constituição sem apoio dos senadores das unidades federativas de outras regiões, ainda que possuam apenas 36% da população, 40% dos municípios e pouco mais de 13% do PIB do país; enquanto as outras três regiões, juntas, não possuiriam senadores o suficiente sequer para aprovarem uma lei complementar sem o apoio de alguns senadores daquelas duas regiões.
Mas deixamos de considerar uma hipótese: e se a função do Senado Federal for representar não os eleitores, a economia ou os municípios, mas a área geográfica?
Nesse caso, a criação desses seis novos postos de senadores fará com que o tamanho da bancada das regiões Norte e Nordeste, juntas, se aproxime da proporção do território nacional que ocupam: 63%. Mas aí surgem mais dois novos problemas. Primeiro, se a questão é a área geográfica, os estados da região Norte deveriam pular para 37 senadores. Mas teríamos que repensar o número de senadores de outros estados e regiões. Por exemplo, a região Nordeste e Centro Oeste têm quase o mesmo território: 1,55 e 1,6 milhões de km2, respectivamente, mas a região Nordeste tem mais que o dobro de número de senadores da região Centro Oeste (27 contra 12).
A questão, no caso, é saber o que é uma unidade federativa: as pessoas que ali habitam, os municípios que existem dentro de seu território, sua economia ou o espaço físico que ocupam? Qualquer que seja a 'unidade' que faz com que uma unidade federativa seja uma unidade federativa, a conta da divisão de senadores não fecha e deixa a pergunta em aberto: afinal, exatamente o que o Senado Federal representa?
PS: Se você ainda não ficou confuso o suficiente: Alguns dizem que não precisamos nos preocupar com isso porque as divisões partidárias fazem com que senadores de partidos diferentes de um mesmo estado terão visões essencialmente diferentes e por isso as regiões Norte e Nordeste jamais conseguirão dominar o Senado. Mas isso significa dizer que os senadores representam não as unidades federativas, mas ideologias diferentes. Se esse é o caso, não deveríamos estar debatendo a adoção do voto distrital. O único argumento para a adoção do voto distrital é que o candidato vencedor é capaz de representar o distrito como um todo, independente de sua ideologia.