“Forças Armadas travam apurações sobre a ditadura
As Forças Armadas têm se recusado a responder dezenas de ofícios da Comissão Nacional da Verdade e do Ministério Público Federal, travando a investigação de crimes da ditadura (1964-85).
Desde que foi criada, em maio de 2012, a comissão não recebeu nenhuma informação relevante do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, segundo levantamento feito a pedido da Folha.
A comissão requereu, em vão, a relação de oficiais e de bases militares que serviram em órgãos da repressão.
De um pedido de informação sobre 60 militares, somente a Marinha respondeu, apresentando o nome de dois. Nenhum dado foi obtido de um outro requerimento que cobrava dados sobre 309 casos de torturas, mortes e desaparecimentos (…)
Cinquenta anos após o golpe, Exército, Marinha e Aeronáutica chegam até a enviar aos seus superiores hierárquicos, como a Defesa e a Presidência da República, informações comprovadamente falsas”.
A conta é simples: 2014 menos 1985 é igual a 29. E 18 mais 29 é igual a 57. Se um recruta em seu primeiro dia torturou alguém no último dia da ditadura, ele estaria hoje com 59 anos. Muito provavelmente já não estaria na ativa. Visto que os suspeitos quase sempre tinham patentes superiores às de soldado (e ninguém coloca um novato para torturar ou testemunhar a tortura porque não se sabe seu grau de confiabilidade), e que desde 1979 os casos de repressão diminuíram sensivelmente, é muito improvável que os suspeitos ainda estejam na ativa em qualquer uma das três forças armadas. E mais: ainda que esteja, provavelmente não terá progredido na carreira a ponto de estar hoje em uma posição de decisão e comando.
Logo, se os interessados em acobertar os fatos já não estão na ativa comandando as forças armadas, por que elas ainda dificultam a apuração dos fatos? Afinal, quem está lá hoje e pode decidir não tem nada a perder com a verdade. Pior: tem muito a perder agindo ilegalmente e se recusando a fornecer informações ou fornecendo informações incorretas.
É o que os estudiosos chamam de institucionalização do indivíduo.
Você provavelmente torce para um time. Provavelmente o time de seu pai, mãe, irmão mais velho ou melhor amigo (ou o principal time adversário de seu vizinho ou das pessoas descritas antes, se você gosta de ser ‘do contra’).
Se você precisasse responder por que torce para tal time, sua resposta seria algo no formato de ‘são os melhores’, ‘os mais batalhadores’ etc.
Mas essas são justificativas para explicar por que apoia tal time, e não por que escolheu tal time quando ainda não tinha um preferido.
A verdade é que você provavelmente não sabe as razões de sua escolha inicial. Você simplesmente seguiu a escolha de alguém (ou quis se opor às escolha de alguém) e desde então passou a justificar tal escolha através de fatos que você só veio a conhecer depois de sua escolha inicial e que provavelmente não resistiriam a um escrutínio científico.
Você foi institucionalizado. Você passou a aceitar e a seguir conceitos, valores, formas de agir, enfim, a cultura da instituição, ainda que a ‘instituição’ em si não exista como algo tangível.
Na institucionalização, a instituição deixa de ser apenas o agregado de centenas ou milhares de pessoas e passa a ser um ‘algo’ capaz de estabelecer uma cultura própria. E, às vezes, uma cultura tão forte que se impõe e aniquila os valores dos indivíduos que a compõem.
É o mesmo que acontece quando um policial tenta encobrir os erros de outro policial que ele desconhece, a atendente do telemarketing tenta acobertar o erro da empresa, o funcionário de uma empresa odeia os produtos do competidor (mesmo sem nunca tê-los usado), e os atuais membros das forças armadas dificultam as apurações sobre as ações de militares que não conhecem e com quem nunca trabalharam.
Pelo processo de assimilação, adequação e repetição, o indivíduo chega à aceitação e passa a replicar esse mesmo processo de assimilação, adequação, repetição e aceitação nos demais que vieram depois dele. Em outras palavras, ele passa a agir de acordo com (e a espalhar) uma cultura que sequer era dele. Ele não apenas deixa de ser um indivíduo para ser uma engrenagem em uma máquina muito maior, como passa a agir para que outros também passem a ser engrenagens dessa mesma máquina.
Óbvio que isso não justifica o comportamento, mas ajuda a explicá-lo.