“Ministros do STF descartam uma constituinte parcial
Ministros do Supremo Tribunal Federal ouvidos ontem em caráter reservado avaliam que não é possível fazer uma constituinte exclusivamente para a reforma política.
Segundo os ministros, a Constituição de 1988 não permite que partes específicas de seu texto sejam modificadas por meio de assembleias específicas. Eles avaliam que a única forma de modificar a Constituição, prevista em seu artigo 60, é por meio de PEC (Proposta de Emenda Constitucional). Não seria possível, portanto, que um plebiscito definisse uma nova forma de alterar o texto constitucional.
Além disso, os integrantes do STF disseram que o tribunal considera o artigo 60 uma ‘cláusula pétrea’, ou seja, inalterável. Para eles, qualquer tentativa de mudar a Constituição de outra maneira representaria golpe e seria declarada inconstitucional.
A única possibilidade de haver uma constituinte seria revogar toda a Carta atual, o que só aconteceria no caso de um golpe ou uma revolução.”
Ainda não está clara a proposta da presidente, mas para entender por que a ideia de uma assembleia constituinte convocada por plebiscito foi inicialmente criticada por juristas, temos que entender dois conceitos.
O primeiro é o de cláusula pétrea.
Quando a Constituição foi feita, o constituinte sabia que ela não era perfeita. Por isso ele deixou uma porta aberta para casos de emergência: as PECs (propostas de emenda à Constituição). Basicamente, ele deixou nas mãos do Congresso a responsabilidade de fazer modificações no texto aprovado em 1988. É como o dono da casa que deixa a chave nas mãos do inquilino.
Só que ele não deu um poder irrestrito ao Congresso. Algumas cláusulas da Constituição não podem sofrer modificações. São as chamadas cláusulas pétreas. Ainda que o Congresso aprovasse por unanimidade uma PEC que modificasse uma cláusula pétrea, essa emenda seria inconstitucional, porque a própria Constituição diz que tais cláusulas não podem ser modificadas por meio de uma PEC.
Ou seja, o dono da casa deu as chaves, mas proibiu o inquilino de fazer determinadas mudanças.
Porque a Constituição diz claramente que tais cláusulas não podem ser modificadas, elas são chamadas de cláusulas pétreas explícitas.
Mas agora pense nesse exemplo: um artigo de uma norma diz que outro artigo daquela mesma norma não pode ser modificado. Como é que poderíamos facilmente modificar o artigo que a norma diz que não pode ser modificado? Fácil: basta modificar o artigo que proíbe que se modifique o outro artigo.
E é exatamente isso que poderia acontecer no caso das cláusulas pétreas. O artigo 60 §4o da Constituição, que estabelece as cláusulas pétreas, não veda mudanças nele mesmo.
O constituinte se esqueceu de dizer que o artigo da Constituição que proíbe tais modificações também não pode ser modificado.
Para evitar que usássemos essa brecha para fazer com que as cláusulas pétreas deixassem de ser cláusulas pétreas, nossos juristas adotaram uma teoria interessante: a das cláusulas pétreas implícitas. Basicamente, disseram que há alguns artigos em nossa Constituição que são tão importantes que se eles fossem modificados a Constituição iria por água abaixo. Por isso eles não podem ser modificados de forma alguma, mesmo que a Constituição não tenha feito essa vedação de forma expressa. Por isso são chamados de cláusulas pétreas implícitas. E esse é o caso do artigo que estabelece as cláusulas pétreas. E é a isso que a matéria acima se refere.
Mas o debate não termina ai porque até hoje tínhamos ‘certeza’ que o §4o do art. 60 era cláusula pétrea implícita (já que é o §4o que trata das cláusulas pétreas). Só que não é o §4o que trata das PECs. É o caput do art. 60 que trata das PECs. Logo, o assunto ainda pode gerar pano pra manga e deve ser decidido mais na base da vontade política do que argumentos jurídicos, porque poderíamos interpretá-lo (com bons argumentos) nas duas direções.
Se isso já não fosse controverso o suficiente, o último parágrafo é ainda mais controverso.
Em teoria, nada impede de termos uma PEC convocando eleições para uma nova constituinte. Foi, aliás, esse o processo através do qual saímos da ditadura e fizemos a atual Constituição. Durante a vigência da constituição anterior, aprovamos uma PEC (Emenda Constitucional 26, em novembro de 1985) que criou uma Assembleia Nacional Constituinte para formular uma nova constituição.
Seria perigoso para a democracia se os eleitores não pudessem nunca mais ter uma nova constituinte, exceto se pegassem em armas. Seriam as gerações passadas trancafiando a vontade das gerações futuras.
A última questão – e talvez muito mais importante – que ninguém está debatendo ainda é que queremos convocar uma assembleia constituinte para fazer uma reforma nas leis que geram nossa política. Mas os constituintes serão eleitos pelas regras atuais, dentro do sistema partidário atual, com o atual sistema de financiamento, etc. Com o devido limite da analogia, seria como pedir aos lobos para fazerem uma norma que assegure que os lobos não comerão as ovelhas. Sem implementar mudanças que possibilitem às ovelhas participarem do processo de formulação das regras que as protegerão, é pouco provável que realmente surjam mudanças para melhor. Ao menos não do ponto de vista das ovelhas.