“Condenado por mensalão, Valdemar diz que vai recorrer a corte internacional
Um dia após ser condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão por três crimes, o deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP) anunciou nesta terça-feira que vai recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), para garantir o reexame do seu caso (…)
‘Apelarei até as últimas instâncias do planeta para garantir o inviolável direito a uma defesa que seja examinada em duas oportunidades distintas de julgamento, para garantir que alguém saiba a verdade’, disse Valdemar, que diz ter ‘confiança na Justiça brasileira’”
As declarações acima mostram um certo desconhecimento sobre três pontos fundamentais de direito:
Primeiro, a Constituição Federal – a norma máxima no Brasil e, apesar do percalços, uma norma democrática –atribuiu o foro privilegiado aos deputados federais. A Constituição Federal (e suas emendas) é uma norma aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional (onde os deputados federais e senadores trabalham). Uma norma tão particular do Congresso que não passa pelas mãos do presidente da República. E é justamente esse foro privilegiadíssimo dado pela Constituição aos deputados federais e senadores que restringe a possibilidade de haver uma segunda instância à qual recorrer.
Se os deputados resolveram estabelecer o foro privilegiado nas causas contra si, devem também aceitar que não podem recorrer contra uma decisão proferida pela corte máxima do país. Simplesmente porque não há nada acima. Recorrer a quem? Ao Legislativo ou ao Executivo? Isso destruiria o princípio da separação de poderes, que é o que acontece nas ditaduras. Criar um tribunal acima do STF? Mas nesse caso o foro privilegiado seria nesse tribunal, o que não resolveria o problema do deputado acima.
Como tudo na vida, não há prêmio nem castigo, apenas consequências: o foro privilegiado não é apenas a bonança à qual geralmente o associamos.
Segundo, as relações internacionais são regidas pelo princípio da soberania. Soberania tem duas facetas distintas:
Internamente significa que nenhum outro poder está acima ou no mesmo nível. Quando dizemos que a Constituição Federal é soberana, isso significa que ela está acima de qualquer outra norma ou poder no Brasil.
Já na faceta internacional, soberania significa que não há outro poder superior. A diferença parece sutil, mas não é mera semântica. Isso quer dizer que podem haver outros poderes no mesmo nível. Ou seja, a soberania brasileira coexiste com a soberania de outros países, e vice versa.
A consequência disso é que a decisão de um tribunal internacional (ou de outro país) só tem força dentro de um país se esse país assim autoriza. A OMC, por exemplo, só pode punir o Brasil por subsidiar suas exportações porque o Brasil, em primeiro lugar, aceitou fazer parte da OMC. Caso contrário, seria declaração de guerra ou outra forma de violação da soberania do país.
Ao dizer que não respeitará a decisão e recorrerá a um tribunal fora do país, o personagem da matéria acima está dizendo não só que não reconhece a soberania da Constituição no direito interno, mas também que não reconhece a soberania brasileira no direito externo, pois apenas pela força um tribunal internacional conseguiria se impor a uma decisão do STF, já que nenhum tratado do qual o Brasil é parte prevê que as decisões do STF podem ser revistas por uma corte internacional (ou de outro país).
Mas – e esse é o terceiro ponto – demonstra também desconhecer até onde a OEA pode agir. Os julgamentos da OEA têm caráter moral apenas. A bem da verdade, pouquíssimos tribunais internacionais (Organização Mundial do Comércio, as cortes da União Europeia e, talvez, o Tribunal Penal Internacional) têm de fato poder de não só julgar, mas também fazer valer suas decisões.
Isso porque, como os países são soberanos, não há como esses tribunais imporem suas decisões sem declararem uma guerra. Eles podem até condenar, mas como essa condenação não pode ser levada a cabo, seus efeitos são puramente morais. Apenas aqueles três tribunais mencionados no parágrafo anterior têm de fato capacidade de impor sanções. No caso da OMC, porque são sanções econômicas que os parceiro comerciais impõem. No caso da União Europeia, porque o grau de integração entre os países membros criou um sistema confederativo em que todos os países cooperam e se submetem às decisões da duas cortes da União. O TPI, que é novo, ainda está testando se realmente conseguirá atuar de forma real contra criminosos de guerra ou que tenham cometido crimes contra a humanidade. O fato de genocidas como o ainda presidente do Sudão – contra o qual há um mandado do TPI – estar no poder, mostra que ele ainda não conseguiu de fato impor sua vontade.