“'Quem não reagiu está vivo', diz Alckmin sobre ação da Rota
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) defendeu ontem a operação da Rota, grupo de elite da Polícia Militar, em uma chácara de Várzea Paulista (a 54 km de São Paulo), que deixou nove mortos.
Oito mortos no suposto confronto são suspeitos de ligação com a facção criminosa PCC e teriam, segundo a PM, reagido à chegada da polícia. ‘Quem não reagiu está vivo’, disse. ‘Você tem em um carro quatro [suspeitos]: dois morreram e dois estão vivos. [Eles] se entregaram.’ (…)
A declaração de Alckmin confirma a avaliação feita anteontem pelo Comando-Geral da PM de que houve confronto e a ação foi ‘legítima’. Nenhum policial foi baleado e nenhum veículo da PM foi atingido. Cinco foram presos.
O governo informou ontem que o caso está sendo investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e Corregedoria da PM”
Declarações como essa são complicadas porque, em ano eleitoral, toda declaração tem ou toma uma forte conotação política e emocional. Mas elas também são complicadas do ponto de vista técnico porque tentam resolver em uma frase seis problemas diferentes.
Deixando de lado sua conotação política, temos:
Primeiro, se alguém está cometendo um crime, a polícia (ou qualquer outra pessoa) pode usar da força necessária para pará-lo. A primeira pergunta, portanto, é se os agora mortos estavam cometendo ou haviam acabado de cometer um delito ou se estavam executando um mandado de prisão expedido pela Justiça. Se não houve flagrante ou não havia mandado de prisão, não se poderia tentar prendê-los.
O segundo problema é sobre a legítima defesa. A polícia não tem o direito de matar. Quando ela mata alguém em um conflito, ela, normalmente, precisa estar agindo em legítima defesa.
Se Fulano está cometendo um crime, ele restringe alguns de seus direitos, perde alguns e conserva outros. Por exemplo, ele perde o direito de alegar legítima defesa. Se eu atiro contra você e você reage atirando contra mim, eu não posso atirar novamente contra você e alegar legítima defesa: fui eu quem começou o ataque. A questão aqui é descobrir quem estava reagindo contra o que.
O terceiro problema é sobre a legalidade da conduta de quem pretende alegar a legítima defesa. Não basta que o outro lado estivesse agindo ilegalmente: quem alega a legítima defesa precisa estar agindo legalmente. Se não estava, ou se excedeu os limites, não pode alegar legítima defesa.
O quarto problema é a proporcionalidade da reação. Eu posso tê-lo xingado, você reagiu apontando um estilingue contra mim e eu reagi à sua reação atirando contra você. Não há legitima defesa porque as reações foram desproporcionais às ações.
A questão aqui é se, ao matar, a polícia estava não só reagindo a um ataque, mas também se sua reação foi proporcional.
O quinto problema é em relação às alternativas que quem alegou legítima defesa tinha à sua disposição. O criminoso, ao cometer o crime, não perde todos os seus direitos. Não é porque alguém está cometendo o crime que ele deixa de ter direito à vida, ao devido processo legal etc. Tirar sua vida deve ser a última das alternativas. Se era possível prender sem matar, deve-se prender. Se era possível prender dando um tiro na perna ou mantendo-os cercados até se renderem, essas alternativas deveriam ter sido usada antes.
O último e mais importante dos problemas é chegarmos a uma conclusão antes de investigarmos os fatos. A declaração acima pressupõe várias certezas que só podemos ter depois do fim das investigações, as quais sequer começaram. Não podemos partir de uma conclusão para analisarmos os fatos: devemos partir da análise dos fatos para chegar a uma conclusão.