“Vizinho acha suposto diário de trio suspeito de canibalismo
Um diário supostamente de uma das três pessoas presas em Garanhuns (PE), suspeitas de matar, esquartejar, comer e enterrar ao menos três mulheres, indica que o trio se formou em julho de 2003.
‘Pretinha’, que assina o diário, seria Bruna Cristina Oliveira da Silva, 25, amante de Jorge Beltrão Negromonte da Silveira, 51, o ‘Monte’, marido de Isabel Cristina Pires da Silveira, 51, a ‘Bel’ (…)
Os três moravam com uma criança de 5 anos, que a polícia acredita ser filha de uma das vítimas do grupo.
Bruna teria se unido ao casal com apenas 16 anos.
O caderno detalha relações sexuais que a autora mantinha com o amante”
Comer carne humana não é crime. Os mais velhos vão se lembrar que nas décadas de 1980/90 alguns hospitais paulistas descartaram lixo hospitalar no ‘lixão’ (um ‘aterro’ a céu aberto) e partes de corpos humanos removidos durante as cirurgias acabaram consumidos por catadores de lixo. Aquelas pessoas que comeram as partes humanas descartadas não cometeram nenhum crime. Tampouco o taxista que na matéria de sábado, sobre o mesmo assunto, disse ter gostada dos salvados feitos com os restos humanos.
Para que haja um delito, a conduta precisa estar descrita como tal em alguma lei penal (ou seja, ela precisa ser 'tipificada'), e não há nenhuma lei penal dizendo que comer carne humana é crime.
Alguns crimes são tão raros que, mesmo que eles não sejam apenas moralmente repugnantes para a sociedade, o legislador não faz uma lei específica para puni-lo, e ele acaba sendo punido em um outro crime, mais amplo. Esse é o caso do canibalismo. Por ser tão raro não há uma lei penal que puna o canibalismo em si, mas algumas condutas associadas a ele podem ensejar outras punições.
Por exemplo, se o canibal mata a vítima, ele está cometendo um homicídio. Dependendo da interpretação do juiz, pode ser um homicídio qualificado (pelo motivo fútil), o que gera uma pena muito mais alta.
Outro crime normalmente associado ao canibalismo é o vilipêndio de cadáver, ou mesmo a destruição de cadáver. Mas note, novamente, que nenhum desses crimes estão restritos ao canibal. Todos os dias ouvimos falar de homicídios cometidos por outros motivos; e o vilipêndio de cadáver, embora bem mais raro do que o homicídio, não foi feito para punir o canibal, mas para punir qualquer pessoa que desrespeite e viole os restos mortais (esse é o mesmo crime cometido por quem remove os dentes de ouro do morto, por exemplo). O mesmo ocorre com a destruição de cadáver: esse é o artigo, por exemplo, usado para punir o bandido que atea fogo no corpo da vítima.
Existe mais uma outra complicação jurídica aqui: o consumo de restos humanos é algo que fere preceitos morais tão básicos que muitas vezes é possível para a defesa alegar que quem praticou o canibalismo não possuía o desenvolvimento mental mínimo necessário para torna-lo punível penalmente, ou que culturalmente tal pessoal não estava totalmente integrada à nossa sociedade (é o caso, por exemplo, de tribos como os Yanomamis, que consomem as cinzas mortais de seus companheiros, e dos quais já falamos aqui)