“Autoridades argentinas e familiares do alpinista brasileiro Bernardo Collares, 46, decidiram ontem, após reunião com uma comissão de resgate, deixá-lo no topo do monte Fitz Roy, de 3.405 metros de altitude.
Especialistas acreditam que não há chances de Collares ter sobrevivido ao acidente que sofreu na última segunda-feira em El Chaltén, extremo sul argentino.
A irmã dele, Erica Collares Arantes, 48, e um sobrinho, que viajaram até a região, concordaram que não há condições para descer com o corpo, segundo a médica Carolina Codó, 41, que coordena a operação.
Caso fosse realizada, seria a operação mais difícil da história da região.
Collares caiu e fraturou a bacia após falha no equipamento de rapel. A alpinista Renata (Kika) Bradford, 34, que o acompanhava, teve de deixá-lo para pedir socorro.
Como ela demorou dois dias até o povoado mais próximo, as autoridades avaliaram que, além de arriscada, a busca seria em vão, porque as chances de sobrevivência eram mínimas.
‘Ir a pé é muito arriscado e não temos um helicóptero preparado para uma operação aérea.
Quando tivermos uma trégua climática, é possível que escalemos para fotografar o corpo, para que a família o veja e saiba o lugar onde está’, disse Codó.
Segundo a médica, ao conhecerem as condições das montanhas, a irmã e o sobrinho compreenderam as dificuldades de remover o corpo.
‘Estou preparando uma carta para explicar a todos que a morte por hipotermia é uma das menos dolorosas, e que ele está num dos lugares mais lindos do mundo para um escalador’, afirmou.
A Folha não conseguiu falar com a irmã e o sobrinho de Collares. Na tarde de ontem, os familiares que ficaram no Rio não comentaram se há consenso em deixar o corpo de Bernardo no monte.
Um dos irmãos, Leandro Collares, 36, disse que ‘a palavra oficial da família é a de que ele [o alpinista] está morto’. Embora durante o dia ele tenha afirmado que era contra a suspensão das buscas, à noite preferiu não se manifestar sobre isso”.
Já vimos aqui quando é que a vida começa para o direito brasileiro. Mas quando é que ela termina?
A resposta óbvia é que ela termina com a morte. Mas, às vezes, é impossível apurar exatamente quando é que a pessoa morreu, e mesmo se ela morreu.
Pense no caso da matéria acima. Alpinistas e médicos presumem que já esteja morta. Mesmo que presumamos que já esteja morte, a última vez que a pessoa foi vista ela estava viva. Desde então ninguém sabe o que aconteceu com ela. Qualquer pessoa que já tenha visto um certidão de óbito vai reparar que ela contem não só o local e a causa da morte, mas o dia e a hora da morte.
Pois bem, voltemos ao caso da matéria acima. Como vimos, ninguém sabe exatamente quando o alpinista morreu (ou mesmo se morreu). Mas a lei não pode permitir que a sociedade viva em dúvida (uma das funções das leis é justamente evitar incertezas na sociedade).
Por isso nosso Código Civil autoriza (em seu artigo 7o) que, mesmo quando não há certeza, declare-se a morte de alguém. É a chamada morte presumida. É o caso, por exemplo, do soldado que vai para a guerra e desaparece, ou do velejador cujo barco afunda no meio de uma tempestade, ou do passageiro do avião que cai no mar. Em nenhum desses casos dá para termos certeza que a pessoa morreu, e muito menos sobre qual foi a causa da morte, mas as circunstâncias levam a crer que ela deva estar morta.
Por isso a lei diz que “se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida”, o juiz poderá, em uma sentença, declarar que a pessoa está morta e fixar a data da morte. É óbvio que ninguém saberá se aquela data fixada pelo magistrado realmente foi a data na qual a morte ocorreu, mas a lei tratará o caso como se a morte tivesse ocorrido na data declarada na sentença. Isso é o que chamamos de morte presumida.
A declaração de morte presumida, contudo, só pode ser pedida depois “de esgotadas as buscas e averiguações”, segundo a mesma lei. É por isso que sempre ouvimos na TV as autoridades dizendo que estão encerrando as buscas (lembram-se, por exemplo, do caso do avião que caiu no Atlântico que vimos aqui?). Essa declaração de encerramento de buscas é muito importante pois normalmente é a partir desse momento que os interessados podem pedir a declaração da morte presumida.
Por fim, reparem que no último parágrafo da matéria um irmão da vítima diz que a palavra ‘oficial da família é que ele está morto’. A opinião da família não interessa para a lei. Do ponto de vista jurídico, o que interessa é a opinião das autoridades e especialistas (no caso, dos médicos). Ainda que a família discorde da opinião das autoridades (por exemplo, se ela continuar procurando o velejador desaparecido depois de encerradas as buscas oficiais ou desistir de procurá-lo antes que as autoridades encerrem as buscas), o juiz se informará baseado nas opiniões das autoridades e especialistas, pois a família não necessariamente tem o conhecimento técnico necessário.