“O Ministério Público Federal em São Paulo abriu uma investigação para apurar se a estudante de direito Mayara Petruso cometeu o crime de racismo ao divulgar mensagens na internet ofensivas a nordestinos.
A investigação foi iniciada após a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Pernambuco pedir a abertura de ação penal contra a jovem. Ao fim da apuração, a Procuradoria decidirá se oferece denúncia contra Mayara.
A OAB pede que a estudante seja acusada por racismo e incitação ao homicídio.
Após a eleição de Dilma Rousseff com ampla vantagem no Nordeste - 10,7 milhões sobre o tucano José Serra -, Mayara publicou a seguinte frase no Twitter: ‘Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!’.
O caso gerou polêmica e deflagrou um embate na internet e fora dela. (...)
A mídia nordestina entrou na polêmica. O jornal baiano ‘Correio’ estampou na capa de ontem uma foto de Mayara, com o título ‘A paulista’.
O editor-chefe do ‘Correio’, Sergio Costa, disse não considerar a publicação preconceituosa, e sim irreverente. ‘A gente quis fazer uma edição que mostrasse que [a internet] não é um território totalmente impune.’
Anteontem, a Folha esteve na faculdade de Mayara, na Liberdade. Ela foi descrita por um ex-colega, que pediu para não ser identificado, como ‘quieta’ e ‘boazinha’.
Outro estudante a defendeu: ‘Eu penso que nem ela. Muita gente pensa’”.
Sem entrar nos debate social trágico desse caso, vale usá-lo para entendermos o que é racismo.
Chamar alguém de nordestino não é racismo, bem como chamar alguém de negão, polaco, japa, turco etc. Isso tudo é crime, sim, mas um outro crime chamado de injúria. No caso, injúria agravada pelo conteúdo racial.
Injuriar alguém é ofender sua honra. Se você ofender a honra de alguém usando sua raça, procedência etc, então estará injuriando alguém de forma agravada pelo conteúdo racial do que você disse.
Já racismo é tentar impedir alguém de exercer seus direitos devido à sua raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. E quais direitos são esses? São aqueles descritos na lei 7716/89:
- Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.
- Negar ou obstar emprego em empresa privada.
- Deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores
- Impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional.
- Proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário.
- Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
- Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.
- Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.
- Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.
- Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.
- Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabelereiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.
- Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:
- Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.
- Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.
- Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.
A questão principal de um caso como esse não é saber se a conduta se encaixa na incitação à discriminação. A questão é saber se o termo ‘nordestino’ (ou que se refiram a pessoas provenientes de qualquer outra região ou estado do Brasil) se encaixam na definição de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O magistrado terá que julgar se dá para encaixar nordestino em qualquer uma dessas definições. O problema é que as pessoas de uma determinada região não são necessariamente de uma raça, etnia, religião ou cor específicas. Existem asiáticos, negros e arianos, pardos e amarelos, judeus, muçulmanos, católicos e indígenas nordestinos, logo o magistrado pode concluir que ‘nordestino’ não se refere a nenhum desses grupos étnicos, raciais, religiosos ou cromáticos. E a procedência nacional se aplica quando o preconceito é contra pessoas de uma país (russo, americano etc). O Nordeste não é um país.
Vimos aqui semana passada que às vezes a lei esquece de colocar algo (por exemplo, acima não vemos a discriminação baseada em orientação sexual também) e a lei acima não diz nada específico a respeito de discriminação contra pessoas de uma região do país.
Se o magistrado não julgar que nordestino não é uma ‘raça, cor etnia, religião ou procedência nacional” específica, a suspeita não poderá ser condenada por racimo porque o magistrado não pode ‘esticar’ a interpretação da lei de forma negativa ao réu (em direito dizemos que não é possível a interpretação extensiva da lei penal que prejudique o suspeito).
Dito tudo isso, incitar alguém a cometer qualquer crime, inclusive a matar pessoas afogando-as, é crime. É o artigo 286 do Código Penal, chamado de Incitação ao crime (ao contrário do dito na matéria, não existe o crime de incitação ao homicídio)