“Uma mulher grávida de quatro meses morreu atropelada por um carro que participava de um racha, na madrugada de ontem, na rua Lagoa de Esmoriz, em Guaianases (zona leste). Ela usava o telefone público quando aconteceu o acidente.
A polícia prendeu o motorista do carro que atropelou a grávida e o de outro veículo, que também estava em alta velocidade. Eles não tinham carteira de habilitação.”
Já vimos aqui que o feto apenas adquire direitos depois de nascer com vida, e que o nascimento só acontece depois da primeira inspiração de ar. Mas, antes disso, ele tem sua expectativa de direitos protegida. Em outras palavras, a lei protege tudo o que poderá vir a tornar-se direito quando ele nascer.
Tecnicamente, portanto, o feto não seu direito à vida protegido. Mas nem só por isso a lei o esquece. Ela protege sua expectativa de vida, ou seja, e tudo correr bem, aquele feto, depois de nove meses, nascerá com vida e, por isso, a lei o protege até lá.
No caso da matéria acima, o criminoso que atropelou a grávida cometeu dois crimes diferentes ao se chocar contra ela. O primeiro, e mais evidente, foi causar a morte da pessoa grávida. Ele a matou. Ela já é alguém (um ser humano com vida). E matar alguém, para o direito brasileiro, chama-se homicídio.
O segundo, é que dentro de sua barriga havia um feto. E ao causar a morte da pessoa grávida, ele também causou o aborto do feto, ou seja, extinguiu sua expectativa de direito. E o aborto, no direito brasileiro, também é crime.
O problema na matéria acima é que não há, na legislação penal, punição contra o aborto culposo (quando o criminoso comete o aborto sem querer, mas agindo com imprudência, imperícia ou negligência). O aborto só é punido quando cometido intencionalmente ou quando o criminoso assume o risco de cometê-lo.
No caso da matéria acima, então, a promotoria terá de provar que o criminoso assumiu o risco de atingir uma pessoa grávida. Há pouca dúvida de que ao dirigir em alta velocidade e participar de uma corrida em uma via pública ele assumiu o risco de matar uma pessoa, mas era razoável prever que ele também assumiu o risco de atingir alguém grávida? Se sim, ele responderá por esse segundo crime também. E essa é uma discussão que rende bastante pano no mundo acadêmico e, por consequência, nos tribunais.
É bom notarmos que, no caso da matéria acima, ele também cometeu alguns outros crimes sem relação com a vida, de acordo com nosso Código de Trânsito:
"Art. 308. Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor."
"Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano:
Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa."