“Corregedoria apura enriquecimento de 62 juízes sob suspeita
O principal órgão encarregado de fiscalizar o Poder Judiciário decidiu examinar com mais atenção o patrimônio pessoal de juízes acusados de vender sentenças e enriquecer ilicitamente.
A Corregedoria Nacional de Justiça, órgão ligado ao Conselho Nacional de Justiça, está fazendo um levantamento sigiloso sobre o patrimônio de 62 juízes atualmente sob investigação (…)
A corregedoria começou a analisar o patrimônio dos juízes sob suspeita em 2009, quando o ministro Gilson Dipp era o corregedor, e aprofundou a iniciativa após a chegada da ministra Eliana Calmon ao posto, há um ano (…)
Os levantamentos têm sido conduzidos em sigilo e envolvem também parentes dos juízes e pessoas que podem ter atuado como laranjas para disfarçar a real extensão do patrimônio dos magistrados sob suspeita.
Todo juiz é obrigado por lei a apresentar anualmente sua declaração de bens ao tribunal a que pertence, e os corregedores do CNJ solicitam cópias das declarações antes de realizar inspeções nos tribunais estaduais.
Nos casos em que há sinais exteriores de riqueza, omissões ou inconsistências nas informações prestadas à Receita Federal, os corregedores têm aprofundado os estudos sobre a evolução patrimonial dos juízes.
O regimento interno do CNJ autoriza os corregedores a acessar dados sigilosos sobre o patrimônio e a movimentação financeira dos juízes. O regimento foi aprovado pelo próprio CNJ, na ausência de uma lei específica que defina os limites de sua atuação.”
Ficar rico não é crime. A forma que a pessoa usou para ficar rica é que pode ser criminosa. Logo, quando a polícia ou o Judiciário investigam alguém pelo aumento do patrimônio incompatível com seus rendimentos, é justamente isso que eles estão fazendo: investigando. O aumento do patrimônio incompatível com o renda não é, por si só, prova de que a pessoa agiu criminosamente. É apenas um indício de que pode haver uma irregularidade. E indício e prova são coisas diferentes. Indício é algo que gera a suspeita. Prova é algo que gera a certeza. E essa diferença é fundamental porque, em uma democracia, todos somos inocentes até que haja prova em contrário, e não até que haja indício em contrário. Ou seja, todos somos inocentes até que haja certeza de que cometemos um crime e não até que haja suspeita de que o cometemos.
Voltando ao aumento da renda. Em teoria economia, renda significa a combinação de quatro coisas: salários, lucros, juros e alugueis (ou, mais genericamente, ‘renda da terra’). Reparem que essa definição não inclui elementos como doações. É perfeitamente legítimo – ainda que improvável – alguém doar parte de seu patrimônio a um familiar, amigo ou desconhecido. O mesmo vale para a herança. Como podemos começar a perceber, no sentido puramente econômico, renda está relacionada aos frutos derivados do esforço (físico ou intelectual) e risco. Receber uma herança e uma doação não são frutos de esforço ou risco. Quando muito, são frutos do acaso. Essa distinção acaba se refletindo no mundo jurídico. É por isso, por exemplo, que heranças e doações não são tributadas por meio do imposto de renda (isso não quer dizer que você não precisa declarar o que recebeu em doação ou herança: você as declara no formulário do imposto de renda, mas no espaço dedicado a ‘rendimentos isentos e não tributáveis’). O mesmo ocorre com outros elementos, como a ajuda de custo, as diárias, as indenizações, salario família (que não deixa de ser uma espécie de ajuda de custo) etc: eles não são tributáveis pelo imposto de renda.
Mas existe um segundo detalhe importante: no dia a dia, quando ouvimos falar na incompatibilidade entre o aumento do patrimônio e a renda, imediatamente pensamos que o salário da pessoa não é suficientemente alto para justificar o aumento de seu patrimônio. Mas, como acabamos de ver, renda é mais do que salário. O patrimônio pode aumentar porque o valor dos imóveis de uma pessoa aumentou. Por exemplo, desde janeiro de 2008 o valor do metro quadrado de um imóvel em São Paulo aumentou em 117%, segundo o índice FIPE-ZAP. Alguém que comprou por um imóvel por R100 mil, hoje o venderia por R$217 mil, ainda que durante todo esse período seu salário tenha sido de, digamos, apenas R$2 mil por mês. Com aquele salario de R$2 mil ele não teria como justificar o aumento patrimonial de R$100 para R$217 mil, mas ele, ainda assim, ocorreu de forma legítima.
Algo parecido ocorreria se ele houvesse investido na bolsa de valores. Desde janeiro de 2009 o índice Bovespa valorizou em 45%. Muito acima da inflação. Se a pessoa houvesse investido nas ações das 68 empresas mais transacionadas (que são as que compõem o índice Bovespa), ela teria obtido um aumento do patrimônio incompatível com seu salario, mas ainda assim legítimo.
Por isso precisamos tomar sempre cuidado: indício é a fumaça. Prova é o fogo. Quando você vê a fumaça você suspeita que haja fogo; mas sua suspeita pode ser infundada. Para que alguém seja condenado, é necessário demonstrar a existência de fogo. A incompatibilidade é apenas um indício. É através da investigação que se demonstrará se houve um crime.