“A vitória do Palmeiras sobre o Atlético-PR, com um solitário gol de Robert, no primeiro confronto válido pelas oitavas de final da Copa do Brasil, ontem à noite, no Parque Antarctica, terminou na delegacia.
O zagueiro atleticano Manoel afirmou depois da partida que foi alvo de ofensas racistas por parte do também defensor palmeirense Danilo.
‘O Danilo cuspiu em mim e me chamou de macaco’, disse Manoel, que dirigiu-se ao 23º DP, próximo ao estádio, para prestar queixa. O beque palmeirense, cercado por aproximadamente 12 seguranças do clube, deixou o vestiário cerca de uma hora após o final do jogo e não quis dar declarações.
Segundo o delegado Percival Alcântara Júnior, a denúncia de Manoel se encaixa em um caso de crime de injúria, qualificada por emprego de racismo. Em caso de condenação, a pena varia de um a três anos de detenção. Danilo deve ser chamado para prestar depoimento.
Curioso é que ainda no campo, depois do apito final, ambos haviam desconversado a respeito do episódio da cusparada. Num primeiro momento, Manoel negou o problema. ‘Foi coisa do jogo’, declarou.
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No vestiário, o beque atleticano voltou atrás. Indagado sobre por que mudara de ideia, respondeu: ‘Para ele não fazer isso de novo com outra pessoa. Vamos tomar providências, e ele vai ter de pagar por isso’.”
Injúria é um crime contra a honra. Para praticar esse crime, basta que uma pessoa ofenda outra. O magistrado vai procurar analisar duas coisas: se houve a intenção de ofender e se a vítima se sentiu ofendida. Quando a ofensa é feita através de referência à raça da vítima (por exemplo, chamar alguém de ‘negão’, ‘polaco’, ‘amarelo’, etc), o crime continua sendo o de injúria, mas qualificado pelo conteúdo racial da ofensa (ou seja, a pena é maior)
Já o crime de racismo, que não pode ser confundido com a injúria, é impedir alguém de exercer seus direitos devido à sua raça. Por exemplo, se o síndico coloca uma placa no elevador dizendo que árabes não podem usá-lo ou o dono do restaurante se recusa a servir um cliente por ele ser negro, ele estará cometendo o crime de racismo, que tem pena bem mais severas que a injúria.
A suspeita na matéria acima é que houve injúria qualificada pelo conteúdo racial, e não racismo.
Como disse, para que haja a injúria, a suposta vítima precisa sentir-se ofendida. Se alguém chama um pedestre de ‘gordo’ (e não importa se de fato a pessoa era obesa) e o pedestre se sentir ofendido, houve crime de injúria. Já se um convidado chama o Jô Soares de ‘gordo’ ele provavelmente não vai se sentir ofendido. Nesse caso, não terá ocorrido injúria.
Mas voltemos ao caso da matéria: reparem que logo após a partida a suposta vítima deu uma declaração na qual dava a entender que não tinha se sentido ofendida (‘foi coisa do jogo’). Apenas bem depois, quando saía do vestiário, é que ela passou a dizer que moveria um processo criminal ‘para ele não fazer isso de novo com outra pessoa’. Ele provavelmente acabou enfraquecendo seu próprio caso, pois, dependendo do juiz criminal que julgar a causa, ele poderá entender que o que está levando a suposta vítima a mover o processo não é o fato de ela ter se sentido ofendida (já que ela teria dito que achou o que foi dito algo normal ‘do jogo’), mas o desejo de vingança. E a criminal justiça em países democráticos não serve como instrumento de vingança, mas de punição e exemplificação.