“Com microfilmadoras na lapela, dois detetives ficaram por um mês na cola do adolescente G., 16, para descobrir que ele usava maconha e ecstasy.
Eles foram contratados por R$ 3.500 pelo pai do garoto. ‘Chamei meu filho, reuni a família e mostrei as filmagens. Ele ficou envergonhado e parou com as drogas’, diz S.T., 57, analista de cobrança.
Casos como o de G. acontecem o ano inteiro, mas agora, nas férias de julho - longe do controle da escolar -, abre-se uma temporada ‘favorável’ aos detetives particulares (…)
Do detetive, os pais esperam uma explicação para o fato de os filhos com idades entre 15 e 17 anos terem optado por ficar sozinhos em casa em vez de viajar com os pais.
São várias as preocupações com os adolescentes, a maioria de classe média: consumo de drogas, namorado novo, rotina, amigos e até saber se o filho é homossexual.
Os pais podem escolher a vigilância diária do filho, a instalação de programas de monitoramento no celular, no computador, no carro e até no forro de uma mochila.
‘Não é necessário autorização judicial pois você vai fazer a gravação no seu próprio aparelho e não no de outra pessoa’, justifica o presidente da Central Única Federal dos Detetives, Edilmar Lima
‘Também não se trata de invasão de privacidade. Se a pessoa está cometendo um ato de traição ou faz parte de tribos como skinheads, ou algo ilegal, é direito dos pais controlar isso. Enquanto fica entre os responsáveis, não configura crime’, acrescenta.”
Matéria interessante para discutirmos o outro lado de um assunto do qual já tratamos aqui algumas vezes (a culpa in vigilando): a obrigação dos pais de vigiar a conduta dos filhos.
Quando falamos da culpa in vigilando, falamos que os pais são responsáveis pelos atos dos filhos porque os filhos estão sob sua guarda. Se eles quebram uma vidraça, os pais devem pagar, não porque seja como se os pais tivessem quebrado a janela, mas porque eles falharam no seu papel de vigilância dos filhos. Mas a vigilância descrita nas matérias acima vai bem além.
Vamos fazer um paralelo entre a vigilância feita pela polícia em relação a todas as pessoas: um policial pode ficar escondido fora de sua casa, pode te seguir, pode até tentar ouvir sua conversa em um shopping. Mas ele não pode grampear seu telefone ou entrar na sua casa sem autorização judicial. Isso porque você tem o direito à privacidade.
Esse direito independe de sua idade. Mas sua aplicação varia com a idade. Seria muito estranho seu pai entrar no banheiro enquanto você estiver tomando banho quando você tiver 15 anos, mas é impossível para um bebê tomar banho sozinho: o pai (ou a mãe) precisa estar presente no banheiro. O bebê tem tanto direito à privacidade quanto o adolescente, quanto o adulto. Mas como esse direito é exercido varia de acordo com a idade, como acabamos de ver.
Ele varia de acordo com a estrita necessidade. Não é algo discricionário: é algo necessário. O estritamente necessário.
Contratar um detetive particular para seguir alguém pode ser feito por qualquer pessoa. Ou você mesmo pode fazer isso se tiver paciência (um paparazzi não é mais do que um detetive particular que trabalha para si mesmo). Não importa a idade do ‘alvo’. Um velho, alguém na meia idade, um adolescente, um bebê ou mesmo uma tartaruga ou um cavalo. Enquanto a pessoa estiver em um local público, seu detetive pode segui-la. Enquanto essa pessoa estiver falando em um local público, essa pessoa pode tentar ouvir. Enquanto essa pessoa estiver em um local público, essa pessoa pode fotografar (mas não pode publicar as fotos ou conversa sem a autorização do 'alvo' se não houver interesse jornalístico). Se você resolve fazer sexo no mar, você pode ser fotografada: essa é uma decisão sua e o local é público.
Mas isso apenas enquanto estiver na esfera pública. Ele não pode grampear o telefone (isso é crime), ele não pode apropriar-se de bens do ‘alvo’ (crime, novamente), bisbilhotar sua correspondência (isso também é crime), ou fotografá-la fazendo sexo em sua casa ou motel (mais uma vez: crime!).
O direito à privacidade só pode ser quebrado com ordem judicial. Não importa a idade da vítima. Se o pai está preocupado em saber se o filho é um narcotraficante, ele pode contratar alguém para segui-lo ou mesmo adotar medidas mais drásticas, como conversar com o filho. Mas ele não pode contratar alguém para grampear o telefone do garoto ou fuçar em sua correspondência. Isso é crime.
O adolescente está sob a guarda dos pais, mas não é propriedade deles. Essa é a mesma lógica jurídica que impede o pai de espancar o filho ou vendê-lo. Se isso acontecer, ele pode, além de responder pelo crime que cometeu (ou mandou que fosse cometido), perder a guarda do filho.
Existe mais um detalhe importante: reparem que o detetive da matéria diz que não há necessidade de autorização judicial porque o aparelho telefônico pertence ao pai. Mais ou menos. O aparelho pode pertencer ao filho. Se o pai deu o aparelho para o filho, pertence ao garoto e não ao pai. E mesmo que pertença ao pai e esteja apenas sendo usado ou emprestado ao filho, há uma grande controvérsia doutrinária se ele pode desrespeitar o direito à privacidade do filho. Se ele puder, ele também pode, em teoria, vasculhar os e-mails dos funcionários de sua empresa (os aparelhos também pertencem a ele!), ouvir as conversas feitas por meio dos telefones da empresa (pertencem a ele), e até colocar câmaras em banheiros da empresa (pertencem a ele). Para boa parte dos juristas, o direito à privacidade não está vinculada ao objeto ou meio, mas à pessoa. O telefone não vem com o direito à privacidade associado a ele (o que daria direito ao seu dono de se dispor de tal direito como bem quiser). O direito à privacidade está associado às pessoas: você só pode me grampear se eu autorizar ou se um magistrado autorizar, independente de quem seja o telefone que eu esteja usando (reparem que se você também estiver envolvido na conversa, tecnicamente você está gravando sua própria conversa).