“Mais um juiz federal decide contra IPI já
Pela segunda vez, a Justiça Federal adiou, pelo prazo de 90 dias, o aumento da alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre a importação de carros (…)
A decisão da 5ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal beneficia a empresa Zona Sul Motors, que ingressou com a ação contra a União por causa do aumento do tributo publicado no dia 16 deste mês. Cabe recurso.
De acordo com Brenno Floriano, gerente do grupo responsável pela Zona Sul Motors, a empresa tem atualmente 15 veículos em portos aguardando desembaraço aduaneiro (…)
O juiz federal José Márcio da Silveira e Silva, que assinou a liminar de ontem, aceitou o argumento do princípio da ‘anterioridade nonagesimal’.
O princípio, baseado na Constituição, diz que a variação de alguns impostos, como o IPI, pode vigorar somente 90 dias após a publicação de lei ou decreto que o estabelece.
Na decisão, o juiz afirma que a cobrança imediata da nova alíquota do IPI é ‘completamente descabida’ do ponto de vista jurídico (…)
A elevação do tributo foi anunciada pelo governo federal no dia 15 e publicada no dia seguinte.
A alta foi de 30 pontos percentuais nas alíquotas de carros e caminhões que tenham menos de 65% de componentes nacionais.
Antes, o IPI sobre os importados variava de 7% a 25% e, depois da medida, passou para a faixa de 37% a 55%.”
Uma das grandes preocupações do estado democrático é sempre definir os limites dentro dos quais o Estado interfere na vida dos cidadãos. Essa preocupação é especialmente relevante na área de tributos. Todos os dias, todos os cidadãos, de todos os países, direta ou indiretamente, pagam algum tributo. Pagamos tributos quando acendemos a luz, quando lavamos as mãos, quando compramos qualquer coisa, quando ganhamos dinheiro e quando o gastamos.
Por causa disso, a nossa Constituição é extremamente detalhada nessa parte e dedica um ‘título’ inteiro ao Sistema Tributário Nacional, no qual uma Seção inteira é dedicada apenas às limitações do poder de tributar.
Um dos cuidados de nossa Constituição é justamente evitar que os contribuintes sejam atropelados com modificações súbitas da legislação tributária. Os princípios gerais são amplos: para cobrar e aumentar o imposto, não basta um ato do executivo, é preciso uma lei; e esta lei não pode entrar em vigor no mesmo exercício financeiro em que for aprovada (o chamado princípio anterioridade), e tampouco pode afetar transações cujo o fato gerador aconteceu antes da entrada em vigor da nova lei (o chamado princípio da irretroatividade).
Uma terceira regra, designada pelo complicado nome de anterioridade nonagesimal ou às vezes chamada de princípio da noventena (art. 150, III, alínea c), diz que a lei que institui novos tributos ou aumenta os tributos já existentes só pode entrar em vigor, no mínimo, 90 dias depois da data de sua publicação.
Mas todos esses princípios admitem exceções. Alguns tibutos, por sua própria natureza, precisam ser mais flexíveis. O exemplo mais típico é o imposto de importação. Uma flutuação súbita do mercado torna determinado produto importado barato ou caro demais, desestabilizando de forma anormal o mercado interno. O Poder Executivo precisa ter o poder de, por ato seu, sem passar pelo Congresso, reagir rapidamente, sem obedecer ao princípio da anterioridade.
Todas essas exceções são formuladas em um único artigo com uma redação fácil de entender mas complicada de acompanhar, por conta das muitas referências cruzadas. Veja o que o art. 150, §1º diz:
"A vedação do inciso III b [princípio da anterioridade] não se aplica aos impostos previstos nos Artigos (...) 153 I [imposto de importação], II [imposto de exportação], IV [imposto sobre produtos industrializados] e V [IOF] (...); e a vedação do inciso III c [princípio da noventena] não se aplica aos tributos previstos nos artigos (...)153 I [imposto de importação], II [imposto de exportação], III [imposto de renda] e V [IOF] (...)”.
(Leia apenas o que está em negrito e ficará fácil entender o que o artigo diz)
Em outras palavras, o que a Constituição está dizendo é que o IPI pode, sim, ser aplicado no mesmo exercício fiscal no qual foi modificado. Mas, na segunda parte do artigo, a Constituição não diz modificações no IPI podem ser válidas em menos de 90 dias a partir de sua modificação. Em outras palavras, em relação ao IPI, o princípio da anterioridade nonagesinal/da noventena deve ser sempre respeitado, o que não precisa ser respeitado é o princípio da anterioridade do exercício financeiro. Assim, se i IPI é aumentado em janeiro, o aumento poderá incidir em maio do mesmo ano (mesmo exercício financeiro, mas mais de 90 dias desde o aumento).
O governo preocupado com a falta de competitividade da indústria automotiva nacional, por decreto publicado no dia 16 de setembro, elevou as alíquotas do IPI cobrado sobre veículos importados. Alguns importadores, surpreendidos pelo aumento depois de os carros já terem sido comprados e estarem a caminho do Brasil, estão pedindo liminares que vêm sendo concedidas pelo Poder Judiciário porque, segundo o juiz da matéria acima, a cobrança da alíquota aumentada, em menos de 90 dias após a publicação do decreto que a aumentou, é "completamente descabida" porque desrespeita algo que está muito claro na Constituição.
Por causa do fundamento da liminar, ela logicamente só valerá até que esgotado o prazo de 90 dias que teria que transcorrer até que o decreto aumentando as alíquotas pudesse entrar em vigor com obediência às restrições constitucionais. Em outras palavras, o juiz não está dizendo que o aumento é ilegal ou inconstitucional. Ele está dizendo apenas que a cobrança da alíquota maior nos 90 dias a contar da data da publicação da nova regra é inconstitucional. Depois disso, o governo poderá cobrar o IPI com a alíquota maior.
Por último, o governo poderia talvez ter evitado o problema se, em vez de aumentar o IPI sobre a entrega ao consumo pelo desembaraço aduaneiro de produtos importados, aumentasse simplesmente o próprio imposto de importação, que está ressalvado expressamente tanto em relação à anterioridade anual quanto à nonagesimal.