“O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou nulas provas de movimentação bancária vindas dos Estados Unidos numa investigação sobre a Igreja Universal.
Decisão do presidente do TJ, o desembargador Antonio Carlos Viana Santos, diz que o promotor que requisitou a prova teria de ter pedido autorização a um juiz brasileiro por se tratar de dados protegidos por sigilo bancário.
Segundo ele, ‘é imprestável como prova documentação de natureza bancária, ainda que conseguida por meio de cooperação internacional, que não observe as formalidades da lei nacional para sua obtenção’. (...)
As duas empresas teriam sido usadas para a compra da TV Record no Rio - o que a igreja nega. Promotores americanos já informaram ao Brasil que um dos sócios das duas empresas é o atual senador Marcelo Crivela (PRB-RJ), sobrinho do bispo Edir Macedo.
O acordo de cooperação internacional a que o desembargador se refere é o que o Brasil assinou com os EUA em 2001. Segundo esse tratado, provas podem ser requeridas diretamente por procuradores e promotores dos dois países, sem necessidade de intermediação do Ministério da Justiça ou do Itamaraty. É a chamada cooperação direta.
O promotor Saad Mazloum, que investiga se a Universal usou dinheiro dos fiéis para a compra de TVs, rádios e jornal, afirma que o acordo judicial com os EUA dispensa o pedido de quebra de sigilo no Brasil. Nos EUA, promotores podem quebrar o sigilo bancário de investigados sem autorização judicial. (…)
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, diz Mazloum, que em casos de cooperação não há necessidade de autorização no Brasil. (…)
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira, vai recorrer ao STJ para tentar reverter a anulação das provas.”
Reparem que quem apresentou a prova foi um promotor, mas quem vai recorrer é o procurador-geral de justiça. O que está acontecendo aqui?
Para entendermos o que está acontecendo, precisamos primeiro entender uma das frases mais enigmáticas de nossa Constituição. No primeiro parágrafo do artigo 127 ela dia o seguinte: “são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”. Todos sabemos o que é independência. Mas o que significam as palavra ‘unidade’ e ‘indivisibilidade’ aqui?
Pelo princípio da unidade, todos os membros do MP estão submetidos a um mesmo órgão. Todos são comandados por uma mesma pessoa. No caso do Ministério Público estadual, pelo procurador-geral de Justiça. No caso do Ministério Público federal, pelo procurador-geral da República. Imagine unidades do Exército: todos estão sob um mesmo comando. É a mesma coisa aqui.
Já o princípio da indivisibilidade significa que, ao contrário do judiciário, onde temos o princípio do juiz natural (apenas um juiz tem o direito e dever de julgar aquele caso naquela instância), pelo princípio da indivisibilidade, os membros do Ministério Público estadual podem ser substituídos uns pelos outros. Eles não ficam vinculados a um processo. Basta o procurador-geral de justiça do estado querer substituí-los (o que não poderia acontecer, por exemplo, entre magistrados, no judiciário). O mesmo ocorre com o MP federal.
Guardada as devidas proporções, esses princípios permitem que o Ministério Público funcione como uma clínica odontológica na qual os sócios podem substituir o dentista que irá atendê-lo pois sua relação não é com um dentista específico, mas com a clínica. A relação processual não é com um membro do Ministério Público, mas com a instituição Ministério Público.
No caso da matéria acima, o Ministério Público de São Paulo estabelece que os recursos a serem apresentados aos tribunais superiores (STJ, por exemplo) são de responsabilidade do chefe do órgão, ainda que, na primeira instância, houvesse um outro membro do Ministério Público envolvido. Esses também são os mesmos princípios que permitem estabelecer que os promotores de justiça atuem na primeira instância enquanto os procuradores de justiça atuem na segunda instância (tribunais de justiça).