“Após identificar ‘falso índio’, PF fará devassa em 'RGs indígenas'
Após indiciar um líder indígena por suspeita de falsificação do Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Índio), a Polícia Federal no Amazonas irá promover uma devassa nesses documentos emitidos no Estado.
A PF quer entender as causas de um boom na emissão de ‘RGs indígenas’ no Amazonas: de uma média anual de 159 Ranis/ano de 2000 a 2007, o número passou para 1.143/ano no período 2008 a 2011 -salto de 619% (…)
O Rani é um documento administrativo da Funai (Fundação Nacional do Índio). Não fornece vantagens por si só, mas na ausência da certidão de nascimento subsidia a identificação do índio e o pedido de benefícios como aposentadoria especial, cotas em universidades e inclusão em programas sociais (…)
Um dos critérios para emissão do Rani é o autorreconhecimento -a comunidade indígena tem de reconhecer a pessoa como índio. Caso a Funai tenha dúvidas sobre a etnia, deve pedir laudo antropológico, o que não ocorreu no caso de Silva (…)
A mãe do líder indígena, em depoimento à PF, disse ter tirado os nomes indígenas dela e do filho de um dicionário de tupi-guarani. Ambos não falam a língua apurinã. Com o Rani, a mãe de Silva entrou como cotista na Universidade Estadual do Amazonas (…)
Silva nega ter fraudado sua identidade de índio -afirma que seu bisavô era um apurinã.”
A matéria termina dizendo que o suspeito de falsidade se declarou índio porque seu avô era índio. E aí fica a pergunta: o que é ser índio?
Do ponto de vista jurídico, índio é quem a Funai diz que é índio. Até aí a lógica não é muito diferente daquela que se determina se alguém é brasileiro: é brasileiro quem é reconhecido como tal pelo governo brasileiro.
Mas enquanto o reconhecimento da nacionalidade brasileira é embasado em critério objetivos (nascimento, residência etc), para reconhecer alguém como índio às vezes precisa buscar evidências subjetivas, como os laudos antropológicos e o reconhecimento de outras pessoas daquela tribo, como informado na matéria.
E aí fica a pergunta: o que é ser índio?
Óbvio que os antropólogos responsáveis pelo laudo é um técnico e tentará usar informações que ele possa confirmar. Mas se não houvesse qualquer dúvida a respeito delas, não seria necessário um laudo. Logo o laudo ser uma tentativa de se consolidar indícios (objetivos) indiretos e subjetivos diretos.
Se parece algo óbvio, tente imaginar se usássemos critérios subjetivos para determinar que alguém é brasileiro. ‘Você gosta de futebol? Sabe sambar?’ Exatamente o que faria de uma pessoa um brasileiro?
Para complicar, sociedades indígenas não são homogêneas. Elas não só são diferentes dependendo de sua localização geográfica, mas também são diferentes em termos de grau de contato com o resto da sociedade brasileira. Às vezes é tênue o que separa um índio de um ‘civilizado’.
Outras duas questões que também são subjetivas é o que faz alguém deixar de ser índio (quando é que podemos dizer que Fulano agora é ‘civilizado’) e se é possível alguém passar a ser índio?
Digamos que, no caso da matéria acima, o avô do suspeito de fato fosse um índio. Seria possível o neto ‘voltar a ser índio’? Alguém pode naturalizar-se brasileiro, italiano etc, mesmo sem ter nascido como tal. Haveria um critério justo (e objetivo) para podermos dizer que alguém não é mais 'civilizado' e passou a ser 'índio'?
Não dá para dizer que alguém é índio só por aquela pessoa sentir-se índia ou dizer-se índia. Mas, ao mesmo tempo, os critérios para se determinar se alguém é índio não são sempre tão objetivos quanto os usados para determinar se alguém é nacional de um país. Isso porque uma das características da maior parte das comunidades indígenas é justamente a falta da burocracia das sociedades modernas. E é essa burocracia que possibilita termos critérios objetivos.
PS: a matéria diz que a mãe entrou em uma universidade por meio do sistema de quotas, declarando-se índia. Não podemos nos esquecer que muitos sistemas de cotas permitem a entrada de pessoas baseadas em critérios para os quais não há sequer laudos, como cor.