"Autor do hino do Grêmio, o negro Lupicínio resistia às gozações
'Esses moços, pobres moços, ah, se soubessem o que eu sei!', poderia cantar Lupicínio Rodrigues aos jovens que chamaram Aranha de macaco e produziram cenas de racismo explícito no jogo contra o Santos - logo o Santos de Pelé.
Em 6 de abril de 1963, na coluna 'Roteiro de um Boêmio', no jornal 'Última Hora', o compositor gaúcho publicou o artigo 'Porque sou gremista'. Respondia aos que não entendiam um negro de origem humilde torcer pelo clube da elite de Porto Alegre.
A história que ele escreve lhe era contada por seu pai e remetia a 1907, quando 'uma turma de mulatinhos' decidiu criar um time de futebol, o Rio-Grandense.
Foi o Internacional quem votou contra o ingresso dos 'mulatinhos' na liga de clubes. Em represália, eles decidiram torcer pelo Grêmio. E criaram a uma dissidência, mais tarde chamada de Liga dos Canela Preta.
A demora do tricolor em aceitar jogadores negros teria sido motivada, diz Lupicínio, 'porque em seus estatutos constava uma cláusula que dizia que ele perderia seu campo, doado por uns alemães, caso aceitasse pessoas de cor em seus quadros.'"
Doação é um ato de liberalidade através do qual uma pessoa (o doador) transfere de seu patrimônio certas vantagens ou bens a uma outra pessoa (o donatário). O doador pode, por exemplo, estar doando uma casa ou dinheiro, mas também pode estar doando o aluguel gerado pela casa ou os juros do dinheiro no banco. Logo, não se doa apenas objetos, mas também direitos, vantagens, relativos a algo.
A doação pode ser pura (quando o doador doa sem qualquer motivo ou condição), meritória (quando o doador doa porque o donatário fez algo considerado especial pelo doador, como ter passado no vestibular ou se formado na faculdade ou descoberto a cura para a Aids), remuneratória (quando o doador usa a doação para recompensar o donatário pelos serviços prestados, com o valor indo muito além daquele devido pelo serviço prestado), ou gravada (quando o doador impõe ao donatário a certos encargos como condição para receber ou permanecer com as vantagens ou bens doados, como a doação de uma casa desde que o donatário a pinte todos os anos).
As possibilidades de se gravar uma doação dependem quase que unicamente da imaginação do doador. O mito diz que a biblioteca Widener, de Harvard, por exemplo, que é a maior biblioteca privada do mundo, foi doada à universidade pela mãe de uma das vítimas do Titanic com uma cláusula de que nenhum tijolo poderia ser retirado ou movido. Daí a universidade ter expandido a biblioteca através de um túnel que a conecta através de uma janela.
Enfim, o leque de possibilidades de condições a serem impostas pelo doador é enorme. Mas não é infinito.
A doação é um contrato e, como tal, tem limites naquilo que é legal e não atenta contra a função social do contrato.
Assim como você não pode fazer um contrato de prestação de serviço para alguém matar sua sogra, você não pode fazer um contrato de doação para quem matar sua sogra. Se pudesse, seria fácil burlar a vedação contra o contrato de prestação de serviço.
O mesmo vale para cláusulas do contrato de doação gravada por alguma condição. A condição imposta não pode ser ilegal ou ir contra os interesses sociais. Daí por que, hoje, não se pode fazer uma doação de um terreno para uma associação desportiva com a condição de que negros, mulatos ou pessoas de qualquer outra raça, cor ou etnia não entrem. Racismo não vai apenas contra a função social dos contratos, mas é claramente ilegal.