“'Não sou infiltrado', diz agente da Abin investigado no Rio
Sob investigação da Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo do Rio, o agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Igor Matela negou estar infiltrado a serviço do governo federal.
Ele confirmou à Folha que costuma participar de manifestações na cidade, principalmente as promovidas por entidade que critica os gastos públicos com a Copa.
Ele e sua mulher, Carla Hirt, respondem a crimes supostamente cometidos durante protestos no Rio. O caso de Matela está sob análise da comissão, que investiga a participação de agentes infiltrados nas manifestações com o objetivo alegado de ‘incitar ataques violentos’ (...)
‘[Ir ao protesto] Foi uma decisão de engajamento político e não é a primeira vez.
Rotineiramente eu vou, sempre participei da vida política’, disse Matela à Folha (...)
A Abin vem monitorando a realização de protestos durante os grandes eventos, como a Jornada Mundial da Juventude.”
Por desconfortável que seja, agências de inteligência no mundo inteiro monitoram movimentos sociais. Chefes de Estado e governo precisam saber o que está acontecendo. Estranho seria se o presidente fosse constantemente pego de surpresa. Não há ilegalidade no monitoramento, ainda que possa provocar transtornos políticos sérios.
Do ponto de vista jurídico, o problema surge quando quem monitora passa a cometer atos ilegais, como violação de sigilo telefônico ou de correspondência, falsidade ideológica, violação de sigilo funcional e assim por diante. As agências de inteligência servem para informar o governo. O mesmo governo a quem cabe proteger a lei. Logo, ela não pode violar a lei para proteger a lei.
No caso da reportagem acima, se os fatos alegados pela polícia forem verdadeiros, e se o agente cometeu atos de vandalismo ou quaisquer outros atos ilegais durantes as manifestações, e se o que ele diz é verdade (ou seja, que ele não é agente infiltrado), aparece o problema sobre o engajamento político dos setores de inteligência.
Profissionais de agência de inteligência servem para informar a respeito do que está acontecendo. Se ele está politicamente engajado em uma causa, seu engajamento pode comprometer a independência daquilo que ele deve analisar e informar. Pior: ele terá agido ilegalmente ao ter praticado atos de vandalismo.
Se ele é um agente infiltrado, surge um problema ainda maior em relação ao papel de agentes infiltrados instigando ou coadunando com movimentos de protestos violentos.
O papel das agências de informação é analisar os fatos, e não causá-los. Em sua essência é igual ao flagrante preparado (que é ilegal), no qual o policial induz o suspeito a cometer o crime: o Estado não pode levar alguém a cometer um crime para depois puni-lo por tal crime.
Mas mesmo que o agente não tenha cometido nenhuma ilegalidade ao participar de tais manifestações, o primeiro problema ainda persiste: até que ponto seu engajamento político interfere em sua capacidade de atuar de forma independente?
Mas existe outro complicador no caso acima.
Segundo a Abin, ele estava de férias. Nesse caso, ter-se identificado como agente foi um erro.
Agentes de serviços de informação devem ser discretos a respeito de sua função. Agente secreto que ‘dá carteirada’ deixa de ser secreto. Mas, ainda mais grave, ao identificar-se desnecessariamente como agente da Abin ele expõe outras pessoas na comunidade de informação. Fulano pode até não ser um agente operacional, mas ao ser possível identificá-lo, passa a ser fácil para agentes de outros governos identificar suas redes de contatos.
Ademais, se ele está engajado em manifestações em sua vida privada e está comprometido a não deixar que suas opções políticas interfiram em sua atuação profissional, por que identificar-se como agente da Abin em um momento em que atuava na esfera particular?
Esse é um vício de culturas personalistas, nas quais se espera que o servidor público tome decisões baseadas não na aplicação da lei aos fatos, mas baseado em quem pede ou informa. E é justamente para coibir as ‘carteiradas’ que o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal proíbe, em seu Anexo, XV(a) “o uso do cargo ou função (…) para obter qualquer favorecimento, para si ou para outrem”.